No dia seguinte minha mãe teve que ir trabalhar outra vez. Isso significava que eu e Luísa ficaríamos sozinhas outra vez. O que poderia ser um problema. Mas tentei encarar como um desafio.
Nenhuma de nós duas comentou com minha mãe sobre o drama do dia anterior, até o ponto que eu sabia.
Querendo ou não isso me fez confiar na garota.
- O que vai fazer hoje? - Perguntei sentada no sofá com o café nas mãos.
- Vocês têm TV à cabo. - Respondeu seca do outro lado do sofá comendo cereal.
- Certo. Se precisar de algo...
- Não se preocupe. Já entendi que não suporta ser chamada.
- Eu ia dizer que se precisar de algo pode me chamar, na verdade.
- Ah, por favor! Vai me tratar bem por pena, agora?
- Não! Eu só estava tentando ser legal.
- Tentando ser legal por pena. Dá na mesma.
Entendi o recado. Parei de falar e fiquei encarando o modo triste e entendiado como ela comia o cereal.
Eu e ele planejávamos ter filhos. Duas meninas e um menino, era nosso sonho. Deixaríamos para escolher o nome somente no dia do nascimento. Para termos mais tempo de conhecer nomes novos. Ficávamos sonhando com nossa casa cheia. As crianças correndo. Finais de semana na praia. Muita diversão.
Ele morreu antes mesmo de eu parar de tomar o anticoncepcional. Antes de termos a chance de criar nossa família. Nos nossos planos seria em três anos. Quando estaríamos mais livres das dívidas e teríamos mais condições de bancar um bebê.
- Ei, você está bem? - Luísa perguntou me trazendo para a realidade. Ela me olhava curiosa.
- Sim, estou. - Respondi limpando uma lágrima que escorreu pela minha bochecha. - Vai passar o dia todo assistindo televisão, é isso?
- Não tenho alternativa. - O modo entendiado estava de volta.
- Certo. Tem Netflix também. Pode acessar na TV mesmo.
- Dã! Eu sei.
- Só quis prevenir.
- Vai ficar o dia todo no quarto, chorando?
Bebi o último gole de café e a encarei.
- Eu...
- Você soluça alto, sabia?
- Não.
- Chorar não vai trazê-lo de volta.
- Acredite, eu sei disso.
- Então por quê ainda chora?
- Porque não posso trazê-lo de volta.
- O que ele disse?
- Como assim?
- As últimas palavras. Minha mãe disse: "tudo bem, Luísa. Pode deixar comigo, mocinha."
Quis perguntar o contexto, mas optei pelo que todos dizem:
- Sinto muito.
- O que ele disse?
- Ah... acho que foi: "não espere por mim, amor." - Respondi tentando conter as lágrimas.
O "acho" tinha sido acrescentado por mero capricho. Eu sabia exatamente o que ele tinha dito.
- Sério? E você ainda chora? Seis meses! - Balançou a cabeça. - Com certeza seu marido está decepcionado.
- O quê? Do que você está falando?
- Antes de morrer ele te disse para não esperar e você ainda espera, mesmo que tenha passado seis meses.
- Não! Ele não me disse nesse sentido...
- Essas foram as últimas palavras ou não?
- Foram, mas...
- Então pronto. Ele te disse para não esperar.
Encarei Luísa sentindo meu peito arder. Porque por mais que eu tentasse encontrar desculpas para contradizê-la, sentia que ela tinha razão.
- Se eu soubesse o significado, a longo prazo, dessas palavras, teria dito "Eu Te Amo", mais uma vez.
Ela me encarou e os olhos estavam marejados.
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Não Espere Por Mim, Amor
Short StoryUm conto sobre perdas e amores. Fins e recomeços. Ganhos e fracassos. Sobre tentar superar o que parece insuperável. E como sobreviver a tudo isso, mesmo quando se vê pronta para morrer. ESTÓRIA ORIGINAL E FICTÍCIA COM LIVRE CRIAÇÃO DA AUTORA.