Primavera

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Quando minha mãe entrou em casa pude ver no seu rosto o espanto. Era a primeira vez em quatro meses que eu não estava vestindo pijama e jogada no sofá, bebendo apenas café.

- Filha, você... está bem. - Piscou os olhos algumas vezes e me abraçou.

- Ah... é. -  A abracei de volta.

- Vai sair? - Perguntou se afastando.

Notei no seu tom de voz e no seu rosto a divisão que morava nela. Se eu dissesse sim, poderia significar que eu estava tão bem, que já queria até sair sozinha, mas poderia significar, também, que eu estava mentindo e ia fazer algo ruim para mim mesma.

- Não. - Respondi sinceramente. - Só... quis colocar essa roupa.

Ele amava quando eu usava vestidos floridos, dizia que combinavam com meu humor primavera. Sua forma de descrever as coisas foi um dos motivos da minha paixão.

- Ah. Esse vestido é lindo. - Ela falou, e quase vi alívio no seu rosto.

- A senhora pode me ajudar a fotografar os móveis para anunciar? - Perguntei apontando para os móveis entulhados no canto da sala.

- Claro!

Fotografamos todos os móveis e eu anunciei num site específico para este tipo de comércio.

Já faziam quatro meses. Apenas quatro meses. Era difícil decidir se era muito ou pouco. Mas com certeza era um tempo considerável.

No último mês, ele havia estado nos meus sonhos todas as noites. Eu me sentia bem ao ir dormir e bem ao acordar, pois isso significava que eu o veria novamente de noite.

Não precisei voltar ao hospital, porque já estava me alimentando melhor, não da maneira mais correta, mas melhor.

Minha mãe acompanhava minha lenta evolução, e eu sabia que ela ficava muito menos preocupada comigo. Outro dia a ouvi orando e agradecendo a Deus, chorando, por eu estar conseguindo me reerguer.

Mas ainda era difícil. Tudo o que me mantinha de pé era poder vê-lo nos meus sonhos. Poder me apegar a imagem do seu olhar.

E se um dia acabasse? E se numa noite qualquer, ele simplesmente não aparecesse? E se os sonhos com ele parassem? Voltaria à estaca zero, disso eu tinha certeza.

Lembrar dos seus olhos, do seu sorriso, me impedia de lembrar da cena dele no caixão. Me impedia de querer morrer. E os sonhos, todas as noites, me davam combustível para passar o dia. Não sabia o que faria quando a "mangueira" parasse.

Não Espere Por Mim, AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora