Dona Niquita resolveu procurar orientação na tenda de Umbanda que Ione freqüentava. Embora um pouco apreensiva, pois achava Ione um pouco mística, não conhecia outra maneira de ajudar seu filho. Venceu as primeiras barreiras criadas pela desinformação e pôs-se a caminho.
A tenda umbandista ficava do outro lado da capital, em bairro afastado da região central. D. Niquita nem ao menos viu o barulho e a confusão do transito, tais as suas preocupações. Ia acompanhada de Ione, que falava o tempo todo, como se quisesse catequizar a companheira e torna-la umbandista também. D. Niquita não estava interessada em outra coisa diferente da melhora do filho. Para ela nada mais importava. Estava disposta a tudo e como boa católica que era, estava armada com o seu rosário e uma dezena de nomes de santos na cabeça, rezando a Salve-Rainha e dirigindo-se a uma tenda para falar com os "guias", como Ione chamava os orientadores espirituais da religião, Umbanda.
Um mistério envolve de tal forma essa manifestação religiosa que se torna difícil para o leigo saber a sua origem e o seu significado. Seus rituais tornaram-se tão misteriosos que os brasileiros com o seu misticismo natural, foram explorados por aqueles que nenhum escrúpulo tinham em relação à fé alheia. Mas essa não é característica da Umbanda. Por todo lugar onde há o sentimento religioso, manifestam-se pessoas inescrupulosas, que abusam da fé alheia. Protestantes, católicos, espíritas, espiritualistas, esotéricos e também umbandistas não estão livres do comércio e do abuso das almas alucinadas. Mas, no Brasil, essa terra abençoada onde as pessoas preferem julgar antes e talvez, conhecer depois a Umbanda, por se manifestar, na maioria das vezes, para aqueles possuidores de umas almas mais simples, de uma fé menos exigente que os tornam vítimas dos pretensos sábios e donos da verdade, recebeu uma marca, um rótulo, que aos poucos, somente aos poucos vai-se desfazendo. Isso ocorreu também devido às manifestações de sectarismo religioso, antifraterno e anticristão de uma minoria, o que gerou o preconceito contra os rituais da Umbanda, seu vocabulário, suas devoções.
Esse preconceito meio velado é que fazia D. Niquita armar-se contra tudo. Preparou o talão de cheques, pois ouvira falar que nestes lugares se cobrava e muito para realizar um "trabalho", quem sabe algum despacho ou "ebó", como ouvira algum dia na televisão. Mas bem que tinha uma certa inclinação para essas coisas. Embora fosse católica apostólica romana, de vez em quando recorria às rezas, aos benzimentos e a outras possibilidades que Ione lhe ensinava, mesmo porque "Ione é uma médium muito forte, só não é desenvolvida. Mas o que importa? Médium é médium", pensava ela em sua ignorância das coisas espirituais.
Dentro do carro, olhava para Ione meio desconfiada, imaginando encontrar no "centro" toda uma parafernália de instrumentos de culto, animais para serem mortos, velas e defumadores, cânticos estranhos e muita cachaça; afinal, não era assim que falavam nos comentários de televisão e não era assim que a "caridade" do povo se referia ao culto? Talvez encontrasse também um povo esquisito, vestido com roupas espalhafatosas, com imensos colares extravagantes pendentes no pescoço e fumando charutos.
_ Ai meu Deus! – Deixou escapar D. Niquita. – Onde me meti?
_ O que foi que a senhora disse, D. Niquita? – perguntou Ione, que se distraíra.
_ Tudo bem! Tudo bem! Eu faço tudo por meu filho. Estava apenas rezando sozinha – mentiu.
Aproximaram-se do local que tinha aspecto agradável e era localizado em rua arborizada. Antes de chegar, pôde ver muitos carros parados em frente a uma casa de aspecto simples, mas de bom gosto. Pararam o carro e desceram. D. Niquita conservava-se pensativa e esperava ver a multidão de gente "esquisita" entrando escondida em algum lugar escuro e de aspecto diferente.
Esta foi a sua primeira decepção. Deparou com pessoas alegres, joviais, efusivas. Foi recebida com imenso carinho, enquanto Ione a apresentava aos amigos que lhe cumprimentavam com um "saravá", frase característica de nossos irmãos umbandistas.