Paulo entrou em cena novamente, convidou-o para ir a uma reunião mediúnica na qual teriam a oportunidade de ouvir a palavra de elevado mentor da Vida Maior, que lhes falaria no dia seguinte, na sede da casa espírita. Depois de muito relutar, Erasmino cedeu ao convite de Paulo e no outro dia, partiam rumo ao centro. Após alguns meses afastado das atividades, Erasmino foi recebido com muita alegria e afeto por parte dos trabalhadores da casa. Todos se confraternizaram com ele. Estava mudado. Muito mudado. Mais manso, mais humilde e pensativo; perdera aquele porte altivo e abatera-se intimamente. Agora mostrava-se mais comedido em suas palavras, em seus posicionamentos pessoais. Levara consigo a mãe querida, que sempre estava ali presente para auxiliá-lo como e quando necessitasse. Quando ia iniciar a reunião mediúnica, pediu a ela que esperasse do lado de fora até que terminasse, pois a reunião era fechada e sua mãe não participava das atividades da casa; portanto, não poderia entrar. Ela ficou num banco na recepção e não se importou com a situação.
Permaneceu em prece ao seu Pai Maior, pedindo pelo filho amado.
Minutos depois, a porta se abriu e foi chamada a entrar. Assustou-se com o chamado, mas entrou e foi conduzida a uma cadeira ao lado do filho. Um espírito se manifestou à vidência de um dos médiuns da casa e pediu que a chamassem.
Leram uma pagina de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Depois de alguns comentários, fizeram as preces e colocaram-se todos à disposição da espiritualidade amiga. Ouviram as mensagens esclarecedoras do mentor da casa e de vários outros companheiros e a seguir, o próprio mentor falou:
_ Estamos hoje recebendo a visita de levada entidade do Plano Superior. Dentro das possibilidades teremos a sua palavra amiga; gostaríamos que todos a gravassem na intimidade de seus corações.
Preparando-se para a visita sublime, todos se irmanaram nas vibrações para propiciar clima psíquico adequado para o visitante.
O ambiente extrafísico estava envolvido em suave luminosidade azulínea com reflexos dourados e fluidos balsamizantes caíam sobre todos, emocionando-os com as vibrações amorosas. Erasmino sentiu a aproximação da entidade elevada e entregou-se às suas irradiações dulcíssimas. Reconhecia que era o mesmo espírito que se manifestava num médium da Casa, ao findar das reuniões de desobsessão que ele dirigira antes. A elevação do ambiente era perceptível a todos. A suavidade da entidade levou os médiuns a tal estado de elevação da consciência que eles se sentiram realmente em estado de êxtase. Todos esperavam que a entidade se manifestasse através do médium que recebia as orientações do mentor da casa. Os médiuns videntes puderam vislumbrar réstias de luz do Espírito comunicante. Mas a entidade superior passou pelo médium que julgavam o mais adequado para a comunicação e dirigiu-se para perto de Erasmino. Mas afinal, ele nunca dera passividade. Não poderia ser ele.
Envolvido em intensa luz, Erasmino deixou-se ficar sob a proteção do visitante das esferas mais altas. Todo o ambiente estava preparado; os médiuns e o dirigente da mesa mantinham a vibração em harmonia.
Leve tremor percorreu o corpo de Erasmino e seu semblante foi aos poucos modificando-se com o envolvimento espiritual. Perdeu a consciência de si mesmo e foi transportado em desdobramento a uma região belíssima do Plano Superior.
Era uma cidade de flores. Rios e cachoeiras estavam convivendo perfeitamente com as construções singelas, enfeitadas por trepadeiras e flores perfumosas. Era um vale profundo, rodeado de montanhas altaneiras e verdejantes. O ar trazia o perfume de rosas e alfazemas, balsamizando o ambiente espiritual, que estava cintilando com os reflexos de formoso arco-íris, que enfeitava o céu de um azul intenso. Tudo era harmonia. Tudo era belo.
As construções pareciam haver sido estruturadas em material semelhante a cristal. E as cachoeiras e rios e lagos pareciam refletir a beleza do Éden. Mas não era o Éden.
Crianças de todas as raças corriam pelo vale em alegria indizível. Espíritos operosos pareciam se ocupar com atividades as mais diversas e caravanas chegavam e partiam em direção à Crosta, levando bálsamo e consolo, lenitivo e esperança. Alheio ao quese passava na reunião mediúnica, Erasmino deixou-se envolver naquele clima superior de imensa beleza e paz. Afinal, era seu primeiro desdobramento inteiramente consciente. Queria aproveitar e retemperar-se nos fluidos balsamizantes da colônia de espíritos bondosos. Aproximou-se dele um Espírito de uma mulher de feições belíssimas e de cor negra; uma aura suave a envolvia. Erasmino perguntou-lhe:
_ Minha irmã, por favor, poderia me dizer onde me encontro? Em que região paradisíaca estamos? Por ventura, é alguma região de Nosso Lar?
O Espírito sorriu-lhe e na alegria que lhe era peculiar, disse-lhe:
_ O "Nosso Lar" meu filho, é tudo isso aqui, onde Deus nos abençoa com o seu amor e com o trabalho do bem. Você veio visitar-nos; queremos que seja bem-vindo e se sinta em casa. Este é o lar de nossos antigos afetos. Você está em Aruanda, a terra do infinito.
Na Terra, no ambiente da reunião mediúnica, ninguém desconfiava do desdobramento de Erasmino. Ao cabo de alguns segundos após o envolvimento de intensa espiritualidade, a entidade superior acionou as cordas vocais do médium Erasmino e falou coma simplicidade dos grandes espíritos:
_ Deus seja louvado, meus filhos! Sarava os filhos da Umbanda e sarava os trabalhadores do nosso Pai Oxalá...
Vovó Catarina, a nossa querida Euzália, agora falava por intermédio de Erasmino. Para espanto de todos, a preta velha deu a maior lição de moral que todos haviam escutado nesses anos todos de atividades mediúnicas numa casa de orientação Kardecista; na singeleza de sua linguagem, deu o seu recado enquanto Erasmino-Espirito estava retemperando-se em meio às estrelas, nos céus de Aruanda. A partir daquele dia, contou aquele agrupamento com o apoio de mais uma mensageira do Senhor. Embora alguns achassem diferente o seu palavreado, numa coisa todos concordavam: sempre que as coisas estavam difíceis, sempre que precisavam, a bondosa entidade, desafiando as pretensões de muitos que se julgavam os donos da verdade, estava ali, pronta para auxiliar, disposta a servirem nome do Eterno Bem.
Erasmino, agora de volta às atividades, recebia com carinho as vibrações da elevada companheira espiritual, enquanto permanecia atento, estudando e defendendo os princípios espíritas, conforme codificados pelo insigne mestre Allan Kardec. Mas não ignorava o que ouvia na acústica de sua alma – o hino que lhe repercutia no espírito:
"Vovó não quer casca de coco no terreiro...
Vovó não quer casca de coco no terreiro...
Só pra não se lembrar dos tempos do cativeiro...
Só pra não lembrar dos tempos de cativeiro."
Era o cântico dos antigos escravos com os toques cadenciados dos tambores de Angola.