Achava-se Erasmino certo dia, num trabalho mediúnico quando deparou com um companheiro de difícil doutrinação. Passaram-se meses e meses e não conseguia definir a problemática do companheiro espiritual que visitava aquela reunião espírita. Apesar de todos os seus argumentos não conseguia convence-lo de sua situação espiritual. Orou, orou e rogou recursos do Alto. Mas a doutrinação prosseguia, fatigante, arrastando-se por vários meses. Passou um ano e o espírito não desistia de seu intento.
_ Meu irmão, me conte o que o leva a tamanho ódio contra o companheiro que você diz perseguir. Não terá você, por ventura, falhado igualmente em seu passado espiritual? Diga-me, por Deus, qual o nome desse infeliz a quem você persegue? O que lhe fez o coitado?
Entre gargalhadas e deboches, o espírito permanecia preso às recordações do passado, ao ódio e ao desejo de vingança.
_ Você não sabe o que ele me fez – falava a entidade. – Ele não merece ser ajudado.
_ Então, conte-me o que lhe fez esse companheiro, meu irmão?
_ Meu irmão, que nada! – respondia o comunicante – Você nem imagina como sofri nas mãos do celerado. Encontrávamo-nos em situação invejável em país da Europa– começou a falar o obsessor. – Eu era pai de três lindas meninas e ele, o infeliz repartia comigo o trabalho, que nos rendia imensa fortuna. Ninguém desconfiava do que fazíamos. Ele era jogador afamado e certo dia, depois de apostar tudo que tinha, correndo risco no jogo, perdeu a fortuna; vendo-se em desespero, começou a arquitetar um plano diabólico para recuperar-se do ocorrido.
Traficávamos escravos para terras longínquas e nem nos importávamos com a desdita daquelas bestas. Mas eu não sabia da desgraça que estava para se abater sobre a minha família. O famigerado, que se dizia meu amigo, aproveitou uma viagem que fiz para outro país e fez negocio com um rico senhor que partia para além-mar. Enganou minha mulher e minhas filhas e a pretexto de levá-las até onde eu estava, vendeu-as ao senhorio que o admitiu também na tripulação da caravela.
Quanto mais o espírito falava mais Erasmino parecia transportado a historia. Visualizava as cenas da desdita do espírito comunicante. No fundo, passou a compreender o seu desejo de vingança. O espírito continuava a narrativa:
_ Só mais tarde no navio minha mulher surpreendeu uma conversa entre os dois negociantes da infelicidade alheia e acordou para o acontecido. O senhorio tentou a todo custo romper as defesas morais de minha mulher e da minha filha mais velha; não conseguindo depois de todos os esforços que empreendeu, entregou-as à tripulação da caravela para que abusassem delas. Seu sofrimento deve ter sido infinito, até que morreram depois de noites e noites de sofrimentos morais nas mãos daquela corja de homens estúpidos e marginais. Minhas outras duas filhas foram vendidas como escravas e cortadas as suas línguas para evitar que falassem. Uma delas quase veio a morrer, não fosse a bondade de uma negra que a salvou da situação, dando-lhe algumas ervas para mastigar, o que lhe aliviou as dores. As duas se consolavam, pois ambas eram prisioneiras. Ocorre que uma era negra e a outra branca, mas inutilizadas com a desgraça que lhes sobreveio.
Quando eu soube do acontecido, quase morri de desgosto. Desfiz-me de tudo que me restava para sair à procura de minha família. Era o fim para mim. O desgraçado escapou e jurei vingança. Só quando morri é que fui descobrir toda a verdade a respeito e comecei a perseguir o infeliz. Contratei outros espíritos para me ajudarem em minha sede de vingança e agora você intenta me demover de meus objetivos.
O espírito contava a sua vida e todos o ouviam com imenso respeito pela dor do companheiro que sofria há séculos, pelo ódio que trazia no coração. Erasmino emocionou-se ao extremo e pediu socorro aos imortais quanto ao caso, pois se encontrava impotente para dar conselho ao irmão sofredor. Sua dor era realmente procedente. Como falar-lhe, demove-lo da vingança cruel se ele mesmo, sendo o doutrinador estava condoído da situação ? Gostaria intimamente de saber quem era aquele que promovera tamanha desdita na vida de uma família. Quem poderia ser o celerado que tanta desgraça espalhou ao longo do tempo?