Capítulo 1

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Seattle, 2018.

A primeira vez que percebi que o meu coração iria quebrar não foi por um amor não correspondido ou um término de relacionamento e sim quando minha mãe nos deixou. Não, ela não partiu desta para uma melhor. Ela nos abandonou. Fomos de uma família perfeita composta por quatro pessoas, para uma quebrada de três. Adiante, as coisas só pioraram.

Não estou tentando me fazer de coitadinha, mas quando abrimos o armário e vemos que só há uma xícara de arroz, um pacote de torradas, um de açúcar e um restinho de feijão é que percebemos o quão ruim nossa situação está.

Depois de dez dias em uma procura incansável por um trabalho com começo imediato e enviar currículos até para ser diarista, fui chamada para uma entrevista para o cargo de serviços gerais na Empresa Akaris.

Os Akaris são uma família muito respeitada pela sociedade e demandavam grande poder no setor farmacêutico do país. Dizem as más línguas que o presidente e fundador da empresa passou a presidência para seu filho mais velho e ele até hoje não compareceu, o que o fez voltar a sua posição. Já seus outros filhos recebem seus salários que ao meu ver, devem ser exorbitantes, sem ao menos "dar às caras" na empresa.

Hoje é o dia da minha entrevista, dezoito de março, saio de casa duas horas antes para garantir que não pegarei trânsito. Minha amiga Carla me emprestou um terninho cinza, ela não me deixou cogitar a hipótese de usar uma calça jeans e blusa comprida. Nos pés, calcei sapatilhas pretas, não iria arriscar sair de salto e pagar mico caindo de cara na rua.

— Alanna Marinho, — chamou a secretária do Dr. Felício Akaris, uma senhora bem cuidada, na casa dos sessenta — Dr. Felício já pode recebê-la. Queira me acompanhar, por favor. — Sorrio gentilmente e me apresso a segui-la até a sala da presidência.

Assim que adentro a sala, me perco por um momento embebendo-me de todo o ambiente. As janelas imponentes vão do teto ao chão, tudo em mármore e um tipo de madeira escura que não consegui identificar. Vejo um lindo quadro de um por do sol disposto na mesa lateral da sua mesa, perto do mini bar.

Me deparo com um senhor em ótima forma sentado atrás da mesa, ele se levanta e vem me dar os cumprimentos e oferece que me sente.

— Bem, srta. Alanna acredito que já deve me conhecer. Gostaria que em primeiro momento me desse um breve perfil profissional seu algo que não esteja no seu currículo.

— Bom dia, Dr. Felício. Visto que não possuo experiências passadas, gostaria de salientar que possuo ótima comunicação, sendo objetiva, discreta e sempre procurando atender os requisitos impostos pela empresa — falei tentando parecer o mais formal e profissional possível. — Há possibilidade de mudança e acredito que possa contribuir com meus conhecimentos a esta empresa, tanto ajudando em seu crescimento como ao meu próprio — olho diretamente em seus olhos. Oh, meu Deus! Eu nunca estive tão nervosa na minha vida. — A vida é um longo caminho de aprendizagem, temos que aproveitar todas as chances, senhor.

Assim que termino de falar meu discurso milimetricamente decorado, exalo toda a respiração que eu estava prendendo e alivio o aperto nas mãos.

Por favor, santinhos! Que eu consiga essa vaga!

Vi que ele apenas me encarava, então resolvo continuar. — Meu nome é Alanna Marinho, tenho 20 anos e sou solteira. Moro apenas com meu pai e um irmão mais novo. Estou me graduando em Engenharia e possuo ótimos créditos na universidade por realizar meu próprio projeto social, o qual devo admitir possuo muito orgulho — sorrio.

— Explique-me sobre este projeto — solicitou.

— Criei um projeto de maximização de lucros para uma pequena cooperativa de reciclagem, chamada RECICLE, onde foi alterado seu layout e infraestrutura para adequar aos produtos e que eles possam ser vendidos com mais facilidade e agilidade, o que adequou seu tempo para não o esgotar apenas com produtos pesados e de pouca serventia.

Dr. Felício está me olhando com um ar de admiração. Fico feliz por estar conseguindo causar esta impressão nele. — Srta. Alanna creio que tenho uma proposta a lhe fazer... — Apoiou seus cotovelos na grande mesa de madeira-de-lei e prendeu seu queixo entre o polegar e indicador. Nesse momento passam pela minha cabeça diversos cargos, que sorte teria se saísse daqui como algo relacionado ao meu ramo de estudo. — Você deve saber que possuo três filhos, os quais são minha enorme razão de viver. George está casaco e com filhos, ele tem seu próprio negócio então nunca precisei me preocupar com ele. Fernando é do mundo, disse que este ano não consegue voltar para o Brasil, está trabalhando na Irlanda. Já o Frederico, meu mais velho... — Olho apreensiva e aceno incentivando-o a seguir. — O que muitos não sabem é que meu filho mais velho, o Frederico, sofreu um acidente há pouco tempo, um dia antes que eu havia planejado passar meu cargo a ele. Esse acidente o limitou e por isso vive recluso em sua casa e se fechou para todos, inclusive a mim. Afastou-se dos negócios da família e muito menos usa a educação que lhe dei. Mas vejo em seu perfil, o tipo de garota certa, claro que é pela simplicidade e humildade que apresentou que poderia fazer companhia a ele o ajudando em seus exercícios e trazendo uma nova visão a sua vida.

— Desculpe-me senhor, não pretendo o ofender, mas o cargo não era para serviços gerais? — digo cautelosa. — Isto que o senhor está oferecendo parece-me como uma babá e não estou certa de tudo que inclui no pacote.

— Perdoe-me senhorita, não foi minha intenção ofendê-la de modo algum. Sim, a vaga é para serviços gerais, mas admirei sua postura e desenvoltura e gostaria muito que a senhorita aceitasse esta condição. Você não será como uma 'babá' para o meu filho, só o supervisionará e irá ajudá-lo.

Ele então abaixa suas mãos e retira um talão de cheques de uma de suas gavetas e rapidamente rabisca algumas palavras.

— Olhe, prometa que irá pensar entre hoje e amanhã. Seu salário inicial será o que está escrito neste cheque. Se amanhã você me ligar dizendo que aceitou, em poucos minutos ele estará em suas mãos.

Olho para o papel sobre a mesa e sinto meus olhos crescerem e minha boca formar um ligeiro O. Havia mais dígitos ali do que eu poderia ganhar em meses de trabalho na vaga de serviços gerais. Seria errado aceitar tão de cara?

— Isto é apenas o começo, você poderá fazer suas refeições lá também, além de que ao passar do tempo, se você passar no teste, pode haver o aumento do salário. — completou.

— Senhor, prometo que lhe darei uma resposta!

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