Agora, já são seis horas da noite, e eu e o Pedro estamos varrendo a casa que está toda suja de farinha. A cozinha então, nem se fala!
Passamos a tarde toda pestanejando para não limpar nada. Nunca vi tanta pessoa preguiçosa em uma casa só. Hoje eu estou sem disposição para fazer nada.
— Quando oiei a terra ardendo, qual fogueira de São João. Eu perguntei à Deus do céu, aí, por que a tamanha judiação? — Pedro canta baixinho enquanto dança e varre o chão da cozinha. Eu sorrio.
— Asa branca? — Arqueio a sobrancelha.
— Eu adoro essa música, e sei toca-lá no acordeão.
— Você sabe tocar acordeão? — Eu arregalo os olhos, deixando a minha vassoura de lado e indo até ele com os meus olhos admirados. — O meu pai tocava pra gente toda noite antes de dormimos. — Sinto uma pitada de saudade esbarrar no meu coração.
— Sei sim. Eu lembro que o seu pai sempre tocava na praça da liberdade.
Sento no balcão e abro um grande sorriso ao me lembrar dele.
— O meu pai era um grande pescador do interior, Pedro. Tinha dias que ele só chegava em casa com cento e vinte reais por mês, mas ele sempre tinha aquele sorriso grande no seu rosto. Aquele sorriso de esperança. O meu papai era um homem honesto, que lutava pelos seus direitos, e que fazia sempre a coisa certa. Ele tinha muito pouco, mas para ele o que ele tinha já era o suficiente. Papai era analfabeto. Nunca teve a oportunidade de ir para escola. Esse era seu sonho, mas pena que ele não conseguiu realizá-lo.
Dou uma pausa para conseguir continuar sem derramar lágrimas.
— Ele morreu em uma maca de hospital público que não tinha os remédios certos e nem o número de médicos suficiente para atende-lo naquela semana, porque os políticos roubaram todo o dinheiro destinado a saúde do nosso Brasil. Sabe o que eu aprendi com isso tudo, Pedro? Eu aprendi que não existe só um Brasil. Existem vários Brasis. O do pobre, e o do rico. O do honesto, e o do corrupto. O do empresário, e o do pescador. É o país das desigualdades sociais, mas eu tenho muita fé de que algum dia tudo vai melhorar, basta nós fazermos a nossa parte, sermos honestos, e honrarmos o nosso povo. A gente reclama tanto do povo corrupto que está lá em cima no poder, mas ao mesmo tempo nem olhamos para o nosso próprio umbigo quando nós furamos uma fila do mercado, não é mesmo? A mudança começa por nós. Pelo povo de baixo.
— Você está certa! — Pedro concorda depois de alguns minutos de silêncio. Ele sorri. — O seu pai era um cara incrível, Maria Vitória. Nunca se esqueça disso.
— Eu quero ser igual a ele. — Sorrio lembrando do sorriso e da animação diária do meu pai. Sinto muito a sua falta.
— Você já é. — Ele vem até mim, se senta ao meu lado, me abraça, e por fim dá um beijo na minha testa. Eu apoio a minha cabeça no seu ombro e fico pensativa durante alguns poucos segundos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
365 dias para se apaixonar
Teen FictionDatas comemorativas são feitas para serem comemoradas, certo? Ou quem sabe, encontrar algum novo, ou velho, amor? Segure firme, e, acompanhe um Carnaval eletrizante, uma doçura de Festa de Junina, um Halloween maluco, e um sonho de Natal, juntamen...