Capítulo 11 - Confronto

18 0 0
                                    

Renata não entende muito sobre batalhas ou confrontos, nem mesmo sobre brigas no corredor da escola, já que sempre preferiu resolver seus problemas através da boa e velha conversa. Mas de uma coisa ela tem certeza: uma pessoa em posição de ataque, com os pés em prontidão para saírem do chão, os braços arqueados e as mãos contraídas, nunca deixa de encarar seu oponente. Ou seja, na maior parte das vezes está bem de frente para ele. 

O fato é que Helena, por mais esteja cumprindo os primeiros passos corretamente, não encara o grupo de jovens à sua frente. 

Seus olhos fulminantes acompanham a direção do corpo e observam algo ao seu lado. 

Renata dá os primeiros passos temerosos para fora, assim que a aproximação das outras bruxas se revela pelo aumentar do volume dos gritos eufóricos. Ela observa Helena por alguns segundos, para só então perceber que a mulher à sua frente está completamente paralisada, encarando o vazio. 

- Então foi isso... - Lorena diz, enquanto o grupo todo passa pelo corpo imóvel e segue correndo pela rua de asfalto molhado, em direção a um destino seguro, ainda que desconhecido. - Agnes e as outras se aproveitaram do pouco de energia vital que restara em Helena para produzir feitiços mais poderosos, como alçar voo até o telhado. 

- E para onde nós vamos? - Marcela pergunta, tomando a frente do grupo, já que é a mais rápida. Apesar da coragem, ela não ousa virar um segundo sequer, desistindo da curiosidade de saber se as outras bruxas já se aproximam.

- Para nossa casa. - Lorena diz, convicta. Renata percebe uma enfatização na palavra nossa, mas prefere não comentar. 

- Mas lá é o primeiro lugar onde elas vãos nos procurar... - Caio argumenta. 

- E é justamente isso que queremos. - A bruxa responde. 

- Enfrentá-las de frente! - Michele repete o discurso anterior de Lorena, que confirma com a cabeça. 

---/--- 

- Já procuramos em todos os quartos aqui em cima, e nada! - Paulo grita, do alto da escada, para o grupo que se espalha pelo térreo da casa. Todos suspiram, angustiadamente. 

- Eles podem ter saído para jantar fora... - Íris supõe, ignorando a mesa repleta de comida que acabara de encontrar na cozinha. 

- Vou procurar pela vizinhança. - Carlo encontra as chaves de seu carro no bolso. - Quem vai comigo? 

Luana segura sua mão, num ato de confiança, e Teresa e Fabrício se prontificam.

- Vou procurar o hospital mais próximo, algum deles pode ter passado mal. - Renato anuncia.

- A Marcela estava reclamando de dor de cabeça antes de sair de casa... - Os olhos de Íris se arregalam. - Será que aconteceu algo sério? 

- Vamos descobrir logo, mas precisamos manter a calma - Diz Renato, para todos. 

- Nós vamos com vocês. - Olívia e Maurício seguem Renato e íris até o carro do casal. 

- Esperem, nós também vamos! - Paulo grita e logo procura por sua esposa, que o ajudava no andar superior. - Geli? 

Ainda que tenha ouvido Paulo lhe chamar pelo característico apelido carinhoso, Angélica não consegue desgrudar os olhos do livro de capa vermelha. Seus dedos folheiam as páginas mas não conseguem identificar qualquer uma das palavras escritas. 

- Onde encontrou isso? - Paulo pergunta. 

- Estava jogado pelo corredor. Aberto nessa página. - Ela aponta para a página que havia marcado com o dedo assim que o encontrou. A figura de uma deusa, com cabeça de leoa, entra no campo de visão de Paulo, que logo compartilha da estranha hipnose causada pela figura. Apesar de estranharem o repentino interesse por um livro velho e gasto, as cores vibrantes  captam a atenção do casal por alguns minutos, até perceberem estar completamente sozinhos na casa estranha. O caminho da casa até o carro, e dali até o hospital, se faz de forma silenciosa, com ambos um pouco aturdidos pela imagem vista.

--/---

O caminho da biblioteca até a casa nunca pareceu tão longo. 

Apesar dos músculos pedirem por um mínimo de descanso, o terror na mente de todos ali não permite um segundo sequer de pausa na corrida que promete salvar suas vidas. 

Lorena não tem certeza do que fazer quando chegarem, mas acredita com todas as suas forças que Sekhmet lhe instruirá. 

- Estou ouvindo alguém atrás de mim! - Caio grita aterrorizado, já que Lorena e todos os seus amigos estão à sua frente. 

Renata espia por um instante e logo tem um vislumbre, turbulento por conta das passadas largas e rápidas que ela dá, mas ainda nítido, de cinco capas pretas se esvoaçando com o vento frio da noite. A agilidade nos movimentos das senhoras antes enfraquecidas é surpreendente, mas Renata não tem tempo suficiente para admirá-los. Se tivesse, perceberia os cabelos caídos deixados pelo caminho, as unhas que se descolaram dos dedos e as rugas, que agora quase furam as peles flácidas, já que a energia surrupiada de Helena não forneceu rejuvenescimento suficiente para as cinco. A aproximação das bruxas parece reanimar o corpo de Renata, assim como de todo o grupo, que dispara pela curva, já entrando na rua do destino final. 

Embora um pequeno sorriso se forme no rosto de cada um deles assim que o primeiro sinal da casa se projeta pelo céu escuro, quando Caio fecha a porta atrás de si, um misto de exaustão e temor se confunde pelos jovens que se jogam nos sofás da sala. 

Lorena sobe as escadas com velocidade, encontrando o livro procurado no meio do caminho. Culpando as mulheres da Associação da Juventude por sua localização, ela segue até a cozinha, separando os ingredientes da receita que nunca havia imaginado ser útil. Contar suas descobertas para Renata e seus amigos havia lhe esclarecido alguns pontos ainda confusos em sua cabeça.

A página do feitiço de desmascaramento permanecia aberta na bancada, enquanto os estudantes do Colégio Bartolomeu de Gusmão debatiam no cômodo ao lado. 

- Nossa única solução é... - Samuel levanta o tom de voz, mas ao mesmo tempo não sabe como concluir sua sentença. 

- Ótima ideia. Cara, como é que eu não tinha pensado nisso ainda? - Gabriel ironiza. 

- Lorena sabe o que está fazendo - Diz Renata - Pelo menos eu espero que saiba. 

- Coloquem seus amuletos no pescoço. 

Trazendo uma bandeja repleta de frascos, Lorena não precisa repetir para que todos amarrem os cordões rapidamente, estendendo a pedra vermelha à altura do peito.  

Seus passos confiantes direcionam o grupo para o espaçoso quintal. Ao redor do tronco escuro da árvore tamareira, cultivada e admirada por tantos anos, Lorena desenha um círculo utilizando cúrcuma e urucum.

- Isso vai mantê-lo preso por tempo suficiente - Lorena explica enquanto termina o circulo.

- Mantê-lo? Quem? - Michele se junta ao grupo do lado de fora. - Achei que estivéssemos fazendo uma armadilha para as outras bruxas.

- Nem tudo é o que parece! Como eu pude demorar tanto para perceber? - Sua voz soa introspectiva e nenhum dos adolescentes ousa questionar. - Não se esqueçam de que Maria, Anna, Helena e Cornélia são inocentes. Simples marionetes.

- A Cornélia não parece ser nada inocente. Quando eu e a Renata estávamos no seu... - Samuel é interrompido por um pisão no pé e uma expressão enfezada de  Renata, um pouco antes de denunciar o esconderijo que ambos utilizaram.

- Tudo bem. Vocês acharam mesmo que poderiam se esconder de uma bruxa embaixo de uma cama? - Lorena ri, se divertindo. Suas mãos espalham folhas secas pelo exterior do círculo.

- Na verdade sim. - Samuel não perde a confiança. 

- Então não deveria ter deixado seus pés para fora! - Lorena ri novamente, dessa vez acompanhada por Gabriel e Marcela. Renata apenas abaixa a cabeça, decepcionada.

Michele é a única que não reage. 

Seu corpo se paralisa de forma similar à que ocorreu com Helena. Mas ao contrário da bruxa, seus olhos não fitam o vazio, mas sim o grupo de mulheres que se aproxima da casa. 


A Última VelaOnde histórias criam vida. Descubra agora