Incipit prologus: Roris Marini

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Os cabelos de fogo balançavam com o vento, os lábios grossos tocavam o arco e assopravam o oxigênio frio perto dos próprios dedos firmes como rochas, dedos confiantes. Os olhos pequenos e gatunos focavam na própria presa que se alimentava do alecrim do pasto verde e saudável. A gazela, tão pacata e inocente tinha o peito mirado pelo rapaz hábil. O capuz lhe caíra sobre os ombros a tempos, mas não havia problema, afinal, estava sozinho desde os quinze. Sozinho nas Terras do Trigo.

Há muito tempo, terras distantes enfrentavam grande praga da época: Bruxas. Donas de cabelos alaranjados, levando a cor do tinhoso consigo, acatavam as ordens de seu criador. Espalhavam o caos e guerra, o fogo era o seu símbolo, o símbolo de destruição e desordem. As filhas de Salem traziam os mais diversos males inumanos aos vilarejos e cidades.

As tão temidas bruxas tinham aparências horrendas, cabelos-de-fogo e peles manchadas. Eram conhecidas pelas unhas compridas, sujas, as vestimentas mal trapilhas e o uso constante de capas para passarem despercebidas, se travestiam de andarilhas. Apesar dos rostos, algumas vezes inocentes, eram conhecidas por saquearem cidades e amaldiçoarem povos inteiros, espalhavam doenças e capturavam crianças, destruíam vilarejos.

Por tal motivo, qualquer cabelo-de-fogo era banido de qualquer lugar, por vezes torturado ou morto, eram renegados pela própria natureza. Acreditava-se que além de horrendos em aparência destruíam e matavam, não demonstrando qualquer remorso ou sentimento. Eram conhecidos como coiotes, a espreita de comida e guerra, em busca de carne. E para detectar uma alma filha de Salem os meros e simples mortais utilizavam do óbvio: os fios laranjas.

E era por tal razão que Jimin vivia na pequena cabana de pedras, longe de Yrasan, terra aonde nascera e vivera até os quinze anos. Afinal, o rapaz de rosto angelical e coração puro – tão límpido quanto a nascente de Trysian – não era culpado por ter os cabelos cobre. Mas, ao contrário do que acreditavam, Jimin não era um filho do caos, muito pelo contrário. Praticava o bem e tinha inocência exalando pela pele lisa e macia, muito diferente das bruxas de quem ouvira falar sobre.

A moradia de Jimin na cidade deu-se por fim assim que um grande ataque, supostamente arquitetado por bruxas matara a própria rainha. Ao menos, era o que se acreditava. Que a rainha tinha pêgo uma peste amaldiçoada de uma das bruxas ruivas, e então morrera nos braços do Rei Jeon, que decidiu, por fim, revistar os barracos e casas campestres em busca de qualquer resquício de feitiçaria.

O alaranjado fora largado bem longe do vilarejo conhecido pelo comércio de tecidos, quilômetros à dentro da floresta de pinheiros. Largado dentro das Terras do Trigo, em uma cabana de pedras, junto de um conjunto de arco e flechas de penas alaranjadas. Sequer tinha treino ou sabia sobre sobrevivência, teve que aprendê-los calejando as mãos pequenas e delicadas. Expulso, com pesar, pela própria família paterna.

Quilômetros a dentro, de onde ninguém se permitia transpassar, os grandes campos de trigo abandonados eram conhecidos como terra proibida. O motivo não era explícito, mas ao que era sabido e passado de geração em geração seguinte era que quando alguém ia até o lugar não retornava com vida. Aparentemente as Terras do Trigo, como chamadas, eram lar dos mais diversos animais predadores, e depois, por rumores, fora conhecida como terra das bruxas, era lar de todos os males do mundo.

Quilômetros a dentro, Jimin vivera por anos. Dias demais para contar nos pequenos dedos, minutos demais envolto em solidão, e agora, ele era o único predador. Não temia os coiotes, sequer os lobos, Jimin aprendera a ser maior e autossuficiente, o verdadeiro sobrevivente da caça às bruxas. Os campos de trigo abandonados e queimados tornaram-se seu lar e a natureza sua companhia.

O cheiro da hortelã, do alecrim e terra molhados não permitiam que o alaranjado fechasse os olhos, do lado de fora, o mundo parecia acabar. Os raios, relâmpagos e trovoadas cortavam os céus. A chuva, forte, trazia sua própria luz. Jimin se apertava dentro de suas cobertas, temia que o mundo verdadeiramente tivesse um fim dentro de tamanha confusão e tanta água, temia os rugidos do céu.

Mas temeu, verdadeiramente, quando ouviu rosnados do lado de fora de sua cabana, logo em seguida ouviu o barulho de pegadas rápidas, muitas pegadas. Com os ouvidos treinados, levantou rapidamente de seus lençóis e buscou suas companheiras, o arco e sua aljava, abriu, em um rompante a porta frágil de madeira e quase fora nocauteado pelo vento, tão forte e cortante. Deu passos incertos dentro da tempestade e visualizou o campo até aonde conseguia.

Os rosnados e os passos aumentaram de intensidade, rapidez e estavam cada vez mais próximos. Apertou os olhos, procurando dentro do incerto qual animal fazia tais barulhos, mas tudo o que encontrou fora um alazão montado, correndo rápido como o vento. Levantou o olhar e encontrou, logo ali, um rapaz jovem, tão molhado como a própria montaria, com vestes simples e pobres, mas estava longe demais para distinguir o que aquele rapaz desejava.

O jovem de quem não conseguia ver o rosto corria tão rápido até si, cortando os campos de trigo, que puxou uma flecha com rapidez da aljava alojada em sua coluna, puxou o arco e preparou a flecha, apontando diretamente para o rapaz que ia tão rápido contra a ventania e a chuva que em alguns meros segundos o alcançaria.

Ele era uma ameaça, correndo tão rápido até si, parecendo querer matar-lhe. Ele era sua presa.

Nervoso, Jimin deixou que as mãos firmes tremessem puxando o fio. Apesar de experiente, em condições tão adversas poderia errar miseravelmente. O próprio tempo estava contra si, quem então seria à favor?

Mirou bem no peito, no lado esquerdo, de onde sabia que a pulsação saia forte. Fechou o olho esquerdo e respirou fundo, precisava ser rápido. Precisava matar a única pessoa que via em tantos anos. E estava pronto para soltar a flecha, quando se assustou com a matilha de três ou quatro lobos atrás do rapaz.

- Vamos, Jimin... - Sussurou para si e seu âmago - Bem no coração.

Respirou de novo, mirou e soltou. Atirou em sua presa, bem no meio de seu peito.


Roris Marini - Alecrim.

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Notas Finais:
Essa história foi originalmente postada no meu perfil do spirit, mas achei justo mantê-la nas duas plataformas para que todo mundo ainda possa ler quando quiser ❤

As Terras do Trigo ✹ JikookWhere stories live. Discover now