Bebê

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Meu vizinho me deu uns sapatinhos de bebê no outro dia. Eram cor de rosa e tinham glitter na parte de cima dos dedos e flores feitas de lantejoulas nas laterais. Nós conversamos sobre sua fofura por alguns minutos e falei o quanto adorei o presente. Depois que ela foi embora, os joguei no armário do meu quarto com todo o resto das parafernalhas de bebê que ganhei nos últimos seis meses.

Seis meses atrás, todos na cidade começaram a perguntar sobre o "meu bebê". Eu não tenho um bebê, nunca dei à luz ou sequer estive grávida. Pensei que estava sendo confundida com outra pessoa; Não tenho uma aparência considerada única. Talvez outra garota de cabelos escuros e olhos castanhos tivesse dado à luz recentemente. Mas sou tímida por natureza e polida por nascimento, então era educada demais para dizer "você está errada, não sou a pessoa que procura, não tenho um bebê". Devo ter dito coisas como "hm, ah, tá bom?" Principalmente porque devia ter sido um equívoco.

As pessoas trouxeram roupas de bebê, um berço, um balanço que se prende à parede, brinquedos, sapatinhos e fraldas. Era uma situação muito estranha de se estar, com certeza. Mas então, para  ser mais específica, as coisas ficaram ainda mais estranhas. Eu estava no mercadinho, e o gerente, um senhor de idade amigável, veio até mim e perguntou sobre "minha doce menininha". Perguntou se ela tinha gostado da fórmula diferente que havia sugerido e se eu queria mais. Eu apenas sorri. Quando cheguei em casa, encontrei uma fórmula em minhas sacolas de compras e uma lata quase vazia no meu armário. Nem me lembro de colocá-lo no meu carrinho de compras.

***

O problema é que todo mundo tem sido tão legal comigo, e a situação é tão estranha que comecei a concordar. "Como está a fofinha hoje?", um vizinho perguntava quando eu ia até a caixa de correio. "Ah, ela é maravilhosa! Dormir a noite inteira!", eu respondia.

Em seguida, uma moça que tomava café no mesmo lugar que eu perguntou se poderíamos  fazer um encontro para que seu filho de 9 meses e a minha menina de "5 meses de idade" para brincar. Meio desconversei. Na próxima vez que eu a vi, ela falou sobre fazermos mais um encontro e como os nossos dois "amorzinhos" tinham se divertido. Ela me mostrou uma foto no celular. "Não são a coisa mais preciosas do mundo? Sua garotinha tem os olhos azuis mais lindos! O vestido faz com que se destaquem. Vou mandar a foto para você." Olhei para a foto e vi um bebê gordinho de camisa vermelha e calção azul. Tinha cabelos escuros e olhos escuros. Era o único bebê na foto.

Fui para casa e abri meu armário, cheio de tranqueiras de bebê. Peguei os ursinhos de pelúcia e uma caixa fechada com um trocador de fraldas. Tirei de lá uma sacola de compras com roupas novinhas de bebê. Eu joguei tudo na minha cama e olhei apara aquilo. Encontrei um vestido azul claro.

***

Algumas semanas atrás, decidi ligar para minha mãe.

"Olá?" Me atendeu.

"Mãe? Sou eu", falei.

"Ah, Pearl, oi."

"Como você está?" Perguntei. Nós não conversamos com frequência.

"Estou bem, estamos todos bem aqui." fez uma pausa e perguntou "e com vocês duas, está tudo bem?"

"Nós duas?" Questionei, hesitante.

"Não seja assim, eu sei que não temos muito contato, mas me importo com você e minha netinha", disse amargamente.

"Eu sei mãe. Ah, ela está chorando, tenho que ir", menti.

"Dê um beijo na Holly por mim", disse e depois desligou antes de mim.

O engraçado é que Bonequinha de Luxo é meu livro favorito desde criança. Sempre pensei que Holly seria um ótimo nome para a filha que eventualmente queria ter.

Fui para o meu quarto para colocar o telefone sem fio no gancho depois da minha curta conversa com minha mãe. O trocador e o berço tinham sido cuidadosamente montados perto da janela. Eu não tinha feito aquilo. Tenho certeza que não fiz. Fui até o berço e olhei para dentro. Não tinha nada lá. Fui até o trocador, depois dei um passo para trás antes de bater a canela contra uma das pernas do móvel. Porque lembrei que já tinha feito aquilo. Olhei para baixo e vi um roxo na minha canela. Eu sei que havia batido contra o trocador, mas também sabia que não estavam ali antes. Tenho certeza.

***

"Como está Holly hoje?" Meu vizinho do outro lado da rua perguntou. Nós dois estávamos pegando nossa correspondência.

"Ela está bem, feliz como sempre", eu disse.

"Eu a ouvi gritando a plenos pulmões quando você chegou em casa ontem à noite, achei que você nem sequer iria conseguir colocá-la na cama!"

"Uma vez que se acalma, geralmente não leva muito tempo", respondi.

Entrei em casa e olhei minhas correspondências. Um monte de lixo, alguns envelopes vermelhos. Coloquei tudo no balcão da cozinha e abri um armário para pegar um copo. Eu ouvi alguns ruídos vindo do meu quarto. Parei e escutei. Não ouvi nada por um minuto, então peguei minha xícara e enchi com um pouco de água. Ouvi algo junto com o som da torneira aberta. Holly devia ter acordado.

Entrei no meu quarto e olhei para baixo, dentro berço. O elefante de Holly estava no berço. Me abaixei e peguei. Era fofo, não me admira que alguém tenha comprado isso para Holly. Coloquei o elefante de volta no berço e levei a xícara até a boca para tomar um gole. Percebi que estava segurando uma mamadeira. Cérebro de mãe, pensei. Onde eu coloquei minha xícara? Mas então eu vi que estava segurando minha xícara. E eu não sou mãe, que diabos eu estava pensando? Olhei de volta para o berço.

Por que eu ainda tenho essa porcaria no meu quarto? Chutei o berço. Então eu chutei de novo, e de  novo até a madeira começar a se lascar. Joguei o trocador de lado no chão. Abri meu closet e empurrei os pedaços do berço e todas as outras coisas relacionado ao bebê que eu pudesse encontrar lá dentro. Fechei a porta com um estrondo. Não podia mais manter manter essa palhaçada, decidi. Eu não podia mais continuar com aquele absurdo.

***

Eu fui tomar café da manhã fora hoje. Eu estava tão cansada. Sentia como se não tivesse dormido a noite toda. O barista sorriu para mim. "Sua filha não deixou você dormir?" Ela perguntou.

"Não." Falei com firmeza. Seu sorriso vacilou.

Me sentei em uma mesa para tomar meu café. Uma mulher se aproximou de mim. Ela perguntou como eu estava, como minha filha estava indo.

"Estou bem", respondi, e deixei por isso mesmo.

Ela sentou-se à mesa e, em voz baixa e com um tom preocupado, perguntou-me se eu estava com algum sintoma de depressão pós-parto. Ela disse que mães de primeira viagem muitas vezes se sentem assim.

"Eu não sou uma mãe de primeira viagem", respondi.

Um homem entrou e caminhou rapidamente até minha mesa. Ele se abaixou e sussurrou algo no meu ouvido. Não entendi de principio.

"O que?" Perguntei.

"Você deixou sua filha na cadeirinha, dentro do carro", ele disse novamente.

Pulei da cadeira e corri para fora do café. Destranquei meu carro e abri a porta de trás. Como eu podia ser tão idiota? Quão louca estava para deixar minha filha no carro? Mas não tinha nada lá. Nenhuma criança, nenhuma cadeirinha de bebê. Eu dirigi para casa.

***

Sentei na minha cama e olhei as fotos na galeria do meu celular. Olhei para a foto do garoto gordinho de camisa vermelha. Eu olhei para ele. Onde ela está? Onde está Holly? Só tem uma criança nesta foto, mas todo mundo diz que há duas. O nenê gordinho e minha pequena Holly, brilhantes olhos e vestido azuis. Ela fica tão linda nesse vestido azul. Eu tinha um pouco mais para escrever, mas Holly começou a chorar. Eu preciso ir ver como ela está.

Créditos:
http://www.creepypastabrasil.com.br/2018/09/todo-mundo-diz-que-tive-um-bebe.html

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