Olhos Incompatíveis

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Tenho heterocromia.

Minha mãe também tem, mas a dela é heterocromia setorial. Uma parte de seu olho esquerdo é marrom, enquanto a maior parte é azul. Meu olho direito é marrom, o esquerdo é azul. Quando criança, eu recebia elogios animados dos adultos:

"Os olhos dele são tão lindos!"

"Uau, são de cores diferentes!

"Que esplêndido!"

Gostaria de dizer que meus olhos são apenas uma parte de quem sou, é apenas uma fatia do bolo que me compõem. Mas, na verdade, a única coisa fascinante em mim é a heterocromia. Sou na média na escola. Na altura. Na força. No QI. Não sou também muito carismático - costumo a ficar no meu canto.

Mas no final das contas, foram meus olhos que salvaram a minha vida. E talvez a vida de alguns outros.

Os assassinatos começaram quando eu estava no segundo ano do Ensino Médio. Um casal de adolescentes que tinham ido namorar em um carro haviam sido encontrados mortos, destroçados por uma fera selvagem. Seus rostos tinham sido devorados, as línguas arrancadas, e seus olhos tinham sumido.

Eu não os conhecia, estudavam em uma escola particular. Entretanto, começaram a ser espalhadas as histórias sobre a Besta do Monte Gosbecks.

Minha mãe riu quando contei para ela. Aparentemente, a "Besta" também estava a solta na  sua época de colégio também, duas pessoas apareceram mortas antes de parar. Convenientemente, um urso havia sido avistado na área na época. Ela me disse para simplesmente não ir naquele lugar dar uns amassos com nenhuma menina que tudo ficaria bem.

É claro que foi aí que corrigi ela dizendo 'menino', mas isso não a deixou surpresa. Minha mãe é maravilhosa.

Entretanto, dessa vez, a Besta não se contentou em arrancar o rosto de dois pombinhos adolescentes.

Quando cheguei no colégio cerca de uma semana depois do primeiro incidente eu soube que havia algo de errado. Todos estavam quietos, e muitos choravam. Encontrei meu amigo Trent e perguntei o que tinha acontecido. Ele me criticou por não checar meu Facebook e depois me contou.

Douglas Stafford. Mais conhecido como Doug. Terceirão. Todos amavam ele. Era um cara legal. Porra, até comigo, um deslocado. Eu havia me perdido no meu primeiro dia no colégio e ele me mostrou a direção. Até se ofereceu para ir comigo. Eu nunca mais falei com ele, mas, caraca. Sentia como se tivesse levado um soco no estômago.

Tinha aparecido morto na garagem da casa dos pais. Seu rosto devorado assim como o casal de antes.

No dia seguinte houve uma assembléia na escola onde até o diretor deixou algumas lágrimas escorrer, dizendo que se precisássemos, podíamos nos ausentar de algumas aulas para conversar com o conselheiro do colégio. A namorada de Doug, Cathy, estava na primeira fila chorando muito. Namoravam desde o primeiro ano do Ensino Médio,  e era bem óbvio que planejavam um dia ter uma casinha juntos com cerca branca e um cachorro.

Cathy foi a última casualidade do ano escolar, alguns meses depois encontrada morta na floresta. Mas não tinha sido a Besta quem havia a matado - ela se enforcou e aparentemente a Bestinha tinha ajudado, conforme os boatos.

Durante o verão tudo se aquietou, e logo as conversas sobre adolescentes mortos ficaram de lado. Acho que os pais de Doug começaram uma vaquinha para ajudar uma entidade que cuidava de adolescentes depressivos. Passei 90% do meu verão enfiado em meu quarto jogando vídeo games até demais.

Também saí do armário no Facebook. Recebi bastante apoio. Muitos 'você é perfeito do jeito que é' e outros diversos 'cara, isso era ÓBVIO'.

Porém, Trent não levou na boa como a maioria. Desfez amizade comigo quase que imediatamente e quando as aulas voltaram, aparentemente tinha falado mal de mim pra nossos amigos em comum, e nenhum deles queria ter mais nada a ver comigo.

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