Eu sou o Marvin

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Eu sou as glândulas apócrinas produzindo um composto de água, íons, amônia, aminoácidos, proteínas, lipídios, ureia, ácido láctico e glicose toda a vez que o Marvin se dá bem em um encontro e finalmente, depois de dois meses conversando, fica a sós com uma mulher.

Eu sou a dopamina deixando o Marvin mais confortável depois de uma noite agitada com a sua mulher. Normalmente eu o deixo assim a cada like no Facebook, curtidas no Instagram ou qualquer exercício físico. Mas fazer isso com o Marvin quando ele passa a noite com a sua mulher é muito melhor.

Eu sou as glândulas suprarrenais produzindo adrenalina e noradrenalina toda a vez que Marvin fica puto da vida com os relatórios para serem entregues às seis e meia de uma sexta-feira, mesmo sabendo que nesse dia específico ele sai as cinco horas.

Eu sou o suco pancreático de Marvin fomentando amilase, lipase e tripsina todas as vezes que ele coloca na boca alguma dieta regulada por um nutricionista real, ou de internet, quando se sente fora do seu peso ideal.

Eu sou todos os movimentos peristálticos de Marvin quando ele desiste de qualquer merda de dieta, fica ansioso por qualquer apresentação que tenha que fazer e, para tentar se aliviar de tudo isso, começa a se entupir de fast foods.

Eu sou a epífase neural de Marvin brigando com ele o tempo todo quando ele acha que ficar até mais tarde em seu emprego e entrar mais cedo no dia seguinte é a coisa mais correta a se fazer para ficar bem de vida a longo prazo.

Eu sou a irritação do nervo frênico e causo espasmo no diafragma toda santa vez que o Marvin inventa de querer tomar mais do que aguenta nos happy hours de quinta-feira daquele lugar que ele sabe que não vai sair tão cedo na sexta-feira.

Eu sou o corpo caloso do cérebro do Marvin todas as vezes que ele precisa simplesmente existir desde o seu lado direito até o seu lado esquerdo pro idiota entender o que diabos ele tá vendo, ouvindo, cheirando, comendo ou tocando.

Eu sou o tálamo de Marvin sempre que ele precisou aprender alguma coisa. Desde a época em que ele era um catarrentinho da quinta série aprendendo potência e radiciação até o adulto estressado com café que não consegue decorar uma fórmula básica na faculdade.

Eu sou o mediastino de Marvin e quem, de fato, vai protege-lo literalmente de qualquer sentimento barato que venha querer causar algum dano no coração.Claro que, levando em consideração que esse sentimento barato seja algum dano físico.

Eu sou o cenho fechado de Marvin toda a vez que ganha pizza e cerveja como agrado para ficar até cinco horas a mais no trabalho, sorrindo e dizendo que pizza, cerveja e amigos fazem essas horas valerem a pena.

Eu sou a midríase de Marvin ao saber que amanhã será mais um dia de trabalho cheio de likes, curtidas, polegares em riste, sorriso tão abertos que parecem estar sustentados por duas linhas imaginárias presas nas orelhas.

Eu sou o plantígrado Marvin, que vai embora mais cedo do serviço, ou melhor, as cinco horas, depois de ser informado que, por razões técnicas permeadas de números e vocabulário complexo, seria descontinuado de lá.

Eu sou o aparelho fonador de Marvin dizendo que chegou do açougue para a mulher que estava na cozinha temperando uma salada, enquanto utilizava a televisão da sala mais como um rádio para que a casa não fosse invadida pelo silêncio.

Eu sou o ácido desoxirribonucleico de Marvin e carrego comigo toda a informação genética do que ele foi desde que nasceu, do que ele é até o momento de levar carne até em casa e, muito provavelmente, do que ele possa vir a ser caso ele não desande.

Eu sou o conjunto de carbono do Marvin, que o mantém existindo até onde ela queira existir.

Levando em conta todas as merdas que o Marvin passou até aqui, eu continuo sendo o Marvin e ele continua comigo.

Quer queira, quer não, existimos.

Eu trabalhando, sendo tudo que o Marvin jamais imaginou que pudesse ser.

E ele, tirando alguma coisa que a pequena existência dele em relação a Terra pode lhe oferecer.

Talvez eu faça mais coisas que ele.

Talvez ele aproveite mais a vida do que eu.

Mas somos um só e talvez essa semana tenha sido bastante corrida.

Alta VoltagemOnde histórias criam vida. Descubra agora