QUATRO: SHANKAR

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    O SILÊNCIO na ala hospitalar é absoluto. Algumas pessoas se encontram inconscientes e outras estão tentando assimilar o que houve mais cedo.

    Passei a tarde tratando de metade dos agentes que estavam no incidente. O que aconteceu no centro comercial é algo difícil de lidar para todos nós.

    Dessa forma, abraço minha condição de agente treinado em cuidados médicos e me concentro apenas em tratar dos ferimentos das pessoas. Vez ou outra, me esforço para esboçar um sorriso encorajador, embora eu não acredite realmente que isso tenha grande serventia agora.

    Foi o primeiro grande atentado da Máfia que presenciei. Já estive em confrontos diretos contra a organização antes, mas nunca algo em grande escala como o que executaram essa manhã.

    De repente me senti como se estivesse de volta ao passado, de volta à minha infância, testemunhando os efeitos traumáticos da guerra entre a Índia e o Paquistão. Vivendo os horrores de uma realidade onde a possibilidade de não voltar a ver quem se ama era um temor real.

    Lembro com pesar dos dias em que saí para a escola e a última coisa que vi antes de fechar a porta foi o rosto preocupado da minha mãe fazendo preces para que eu estivesse de volta no fim do dia. Também me recordo da expressão de gratidão dela no dia em que fiquei doente e não fui à aula, pois o ônibus que eu pegava para chegar à escola foi metralhado resultando na morte quinze crianças. Eu seria a décima sexta se a febre tivesse cessado. Perdi amigos naquele dia.

    Foi, então, que meus pais decidiram definitivamente que aquele lugar não servia para mim e negociaram minha saída do país para a semana seguinte. O preço a pagar foi alto. Eles precisaram trabalhar por dois anos para o homem que cuidou para que eu viesse para os EUA. Um trato que não conseguiram cumprir até o fim. Foram mortos oito meses depois por soldados paquistaneses em uma invasão ao bairro onde morávamos.

    Alguém com um passado marcado por coisas como essas deveria ter aprendido a lidar com perdas, mas a morte é algo que o ser humano jamais conseguirá superar. O luto é um golpe de dor constante e, se não bater com a mesma força para causar uma dor igual a da primeira vez, é porque causa uma pior. Nunca ameniza, apenas intensifica.

    Klaus não destoa do resto dos agentes e permanece em silêncio enquanto trato do corte junto à sua sobrancelha. Os olhos dele encaram o chão e o semblante de revolta é notável até mesmo com o rosto dele voltado para baixo.

    Estou quase terminando o curativo quando ele respira fundo e pergunta entredentes:

    — Quantos dessa vez?

    — Klaus, eu não acho que essa seja uma boa hora pra entrar nesse assunto. — falo.

    — Quantos foram mortos, Shankar? — questiona ele pausadamente ainda com os dentes cerrados.

    Tomo fôlego, massageio minha têmpora direita que, repentinamente, começou a latejar e respondo:

    — Vinte e um até a última contagem, mas não houve nenhuma atualização nas últimas quatro horas, então acho que não há mais baixas.

    — Vinte e uma mortes para somar às centenas de outras que ocorreram anteriormente. E, dessa vez, levaram o que restou da minha família. — sussurra Klaus erguendo os olhos até o teto, as luzes fluorescentes iluminam o rosto dele de modo que a pele parece pálida devido à predominância de cor branca no recinto.

    — Sinto muito pela Meghan. — digo. — Todos sentem.

    — Ela começaria uma nova etapa da vida dela. Ainda ontem estava radiante fazendo planos e hoje, teve todos eles interrompidos por aqueles filhos da puta. — fala Klaus e a raiva é clara em sua voz.

LEAD SCARSWhere stories live. Discover now