CAPÍTULO 5

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Seu filho nunca tinha sido um grande motivo de preocupação como naquele dia.

Cora acompanhou de perto seu filho ter um ataque súbito e voltar ao normal tranquilamente. Ele voltou para seu gibi como se nada tivesse acontecido e quando foi interrogado, disse que queria apenas "espairecer" um pouco. O garoto nunca deu sinais de preocupação para ela, pelo contrário, sempre foi muito esperto desde pequeno e muito "avançado" para sua idade. Ora, com dez anos construiu uma placa de energia solar com sucata e lixos recicláveis na feira de ciências da escola. Cora se perguntava de onde vinha todo esse prodígio. Dos meus genes é que não vieram. No entanto, naquele momento isso não importava. Alguma coisa soava estranho e ela sabia disso.

Por isso, resolveu consultar o seu marido. Mesmo que não fosse o pai biológico do garoto, Cora sabia que ele se importaria e ajudá-la-ia com o caso. Quando eles "juntaram suas coisas", o filho de Cora ainda era pequeno, tinha seus cinco anos. No início, parecia que finalmente ela tinha achado o pai que faltava na vida dele, mas com o passar dos anos, os dois se distanciaram. Talvez o jeito bruto que despertou dentro de seu marido causou isso, ou era só um efeito da adolescência que fazia o garoto se afastar de todos. Cora esperava que esse momento difícil aproximaria novamente aquela miúda família, afinal, é na dor que se valoriza o amor. 

Cora dirigiu-se a área dos fundos da Igreja e encontrou o homem sentado sob uma árvore com algumas garrafas de bebida vazias espalhadas ao redor. Ela por um momento sentiu a vertigem de decepção por ver que mesmo ela pedindo, ele ainda trouxe suas garrafas de cachaça e latas de cerveja.

– Você está bebendo aqui? – Cora perguntou com uma ponta de frustração. O incômodo dessa atitude fosse, porventura, por estarem em uma igreja ou por ela realmente odiar, secretamente, seu marido na versão bêbado.

– Não enche o saco! – Gritou o carrancudo em resposta.

Cora tentou respirar fundo e pensar que essa resposta era comum quando ele bebia e esse não era seu estado normal. Todos estavam aflitos devido a barragem ter estourado em Brumadinho e cada um arruma seu jeito de superar, não é? Não é? Cora viu o homem segurar o gargalo da garrafa e derramar a bebida garganta abaixo. 

– No momento em que estou precisando da sua ajuda, você não está ao menos sóbrio para pensar direito! – Se permitiu esvaziar o saco de frustrações.

Cora bufou.

– Seu inútil miserável! – Foi a sua vez de gritar.

O seu marido não se controlou. Tinha ouvido tudo sentado, de costas, apenas bebendo. Porém, os insultos de Cora o deixaram furioso, pois não admitia que ela lhe tratasse daquela forma. Algumas pessoas quando bebem, ficam mais tristes do que já são, ou mais alegres, outros revelam verdades que não tem coragem de dizer em seu perfeito estado, ou ainda, revelam suas reais atrações afetivas. Mas com o marido de Cora, a bebida trazia a pior face para um ser humano. Sua versão bêbada acentuava o egoísmo e prepotência de homem.

– O que foi que você disse? – Perguntou ele enquanto se aproximava como um predador espreitando a presa.

O marido de Cora tinha um olhar mortífero e ela percebeu o que tinha feito. Temeu o que estava por vir.

– Você me deve respeito, sabia? Mulheres não passam de seres insignificantes! – Gritou o homem.

Em seguida, desferiu um tapa na face de Cora fazendo-a cair no chão. O homem olhou para todos os lados para garantir de não ser flagrado e agarrou os cabelos da esposa. Levou-a para o banheiro dos fundos da paróquia e trancou a porta. Ele transmitia raiva, ódio, e a pobre mulher naquele chão frio desejava nunca ter se casado com aquele ser horrível. A sequência de chutes na barriga e golpes pelo corpo todo, fez-lhe lembrar de outras vezes que aquilo ocorrera.

Cora percebeu que não conseguiria fazer nada pelo filho, pois ela mesma não tinha forças ou coragem, para se defender. Apanhava do marido e escondia isso. Sentiu-se desprezível naquele cubículo branco. Depois que seu agressor partiu, ainda ficou no chão. Cuspiu o sangue da boca e chorou miseravelmente. Perguntou-se por vezes onde tinha errado. Mesmo que quisesse sair daquele relacionamento abusivo, de alguma forma não conseguia. A mulher de antes parecia ter sido levada embora.

Cora, pela primeira vez, desejou ter forças para cometer um assassinato.

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Depois de passar horas na sua empresa, Michelangelo queria apenas ir para casa.

Pegou o terno da cadeira giratória e disse a secretária que não lhe ligasse mesmo que o prédio estivesse desabando. Dispensou-a dos seus serviços e saiu do escritório. Atrás das portas de vidro da empresa, Michelangelo notou a presença de vários repórteres aguardando como urubus sobre a carne alguma chance de "matéria do dia". Praguejou baixinho.

Michelangelo usava da imprensa para beneficiar sua empresa, divulgando os bem-feitorias e progressos que promovia, afinal, quem não é visto não é lembrado. A ótima ferramente de promoção, entretanto, depois do acidente, havia se transformado na catapulta metafórica que lançava várias pedras pesadas contra ele. Michelangelo viu aqueles repórteres como gladiadores esperando por sua chegada na arena. 

Quando pensou em sair pelos fundos, um jornalista franzino notou sua presença e começou a filmar estupidamente. Michelangelo pensou que se fugisse dele, criaria uma terrível imagem de si mesmo e da empresa dando espaço para mais especulações. Não houve outra alternativa a não ser enfrentar aquele mar de câmeras.

Abriu cautelosamente a porta e de repente não enxergou mais nada com tantos flashs sobre seus olhos. Vários microfones foram apontados para sua boca e muitos deles falaram ao mesmo tempo. Michelangelo demorou um pouco para se acostumar com aquilo.

– Os 100 mil reais que vocês prometerem pagar por cada vítima será a única indenização que darão? – Perguntou um deles se sobressaindo. Michelangelo se lembrou que pediu a sua secretária, ainda naquele mesmo dia, para divulgar a nota sobre a ajuda financeira às famílias atingidas. Como eles são rápidos! Pensou consigo mesmo.

– Não. – Respondeu o entrevistado – Esse dinheiro é apenas uma bonificação para ajudar por agora as famílias, mas não está incluso nas indenizações que pagaremos.

– E quanto a barragem, presidente Berson? – Interrogou uma moça jovem e pouco experiente, pelo forma como exalava nervosismo na voz – Vocês sabiam que ela tinha risco de estourar? Se vocês vão pagar as indenizações, isso significa que realmente são culpados?

– Nós não s...

Michelangelo foi interrompido por seu advogado. Este, lhe jogou um olhar repreensivo e ele se deu conta da bobagem que iria proferir.

– Chega de perguntas por hoje, certo? – Interveio o jurista.

Os dois se dirigiram para o carro com repórteres no encalço insistindo em perguntas que Michelangelo nem saberia responder. Ele ainda ouviu alguém dizer "Para quê um advogado se você é inocente?". Isso lhe deixou reflexivo.

Enquanto voltava para casa, ele só pensava na reunião que tivera mais cedo. Precisava agir rápido, portanto, marcaria uma entrevista com o jornal mais famoso que lhe pedisse. Queria apenas tirar o seu nome da enxurrada que desceu.

✦ ✦ ✦

O sol brilhava naquele dia. Era tão intenso e vivo. Visto da Terra, parecia que sua cor é amarelo, mas visto do espaço, é alvo. Lindamente alvo.

A coisa anormal gostou de sentir o calor sobre sua pele. Depois do incidente com a água, todo o cuidado era pouco. Ela olhou aquela imensidão que ora era esverdeada, ora era azulada. Brilhava com o reflexo solar e não machucava aos outros seres que a tocavam. Logo entendeu que da mesma medida que o Sol lhe fazia bem, a água lhe fazia mal.

Ela começou a percorrer toda a circunferência do rio procurando seu finito. Andou por longos minutos até que se deparou com algo estranho. Tudo estava assoreado, destruído e coberto por uma cor diferente. Era como se aquele grande aguaceiro tivesse se transformado em uma larga estrada. Parecia lama, mas... O que era lama? 

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Notas: 1355 palavras

Eu Nasci Nas EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora