CAPÍTULO 9

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Cora e seu filho já haviam passado por muitas coisas, mas aquela definitivamente era uma das piores. Se já não bastassem estar sob o perigo de serem levados por uma enxurrada de lama e minério, teriam que começar a viver sem o marido de Cora que na verdade nunca foi seu marido. Somente juntaram suas coisas e foram morar juntos. Não que Cora não conseguisse se sustentar, pelo contrário, criou o garoto sozinha por 5 anos. A questão é que tinha abandonado seus empregos por causa dos ciúmes do cônjuge. Naquele momento, xingou a si mesma por nunca ter tido o hábito de reservar dinheiro.

A mulher encontrava-se extremamente esmorecida. Pensava que aquela terrível situação aproximaria a família de novo, que seu filho veria o padastro com bons olhos e que o marido poderia mudar seu comportamento. Mas pelo contrário, foi o estopim de uma reação em cadeia que mudou para sempre a vida dos Maldonados.

– Mãe, a gente não vai voltar para buscar ele? – Seu filho questionou.

Cora surpreendeu-se com a pergunta do garoto. Será que finalmente começara a vê-lo como um pai? Porventura entendeu que o passado deveria ficar no passado e viver o presente? Seu marido realmente poderia voltar? Ou melhor, ela poderia voltar? Se ela realmente não precisasse deixar o marido, não precisariam passar por dificuldades. Porém, quando achou que havia esperança, o seu filho completou:

– O gato. Deixamos nosso gato solto pelo acampamento.

Não voltariam para buscar o gato. Nem que o adolescente chorasse. Ela tinha medo de usar o animal como desculpa para procurar o marido.

– Não voltaremos.

Continuaram andando e viram uma grande aglomeração no pé do morro. A curiosidade despertou nos dois e apertaram os passos. A princípio, viram um cinegrafista filmar uma senhora – a mesma que lia histórias para as crianças na Capela e parecia não ter nenhum peso sobre os ombros – que parecia dar uma entrevista. Ela dizia que estava muito assustada e atenta a qualquer tremor de terra, pois sua amiga disse que assim que a barragem estourou, as pessoas sentiram um leve terremoto.

Não se preocupem, pessoal. – Alguém comentou, possivelmente o entrevistador A comunidade de vocês está segura, por isso pedimos que vocês retornassem para casa. Nossa empresa fez todo o possível para que a B6 não estourasse. Barreiras de concreto estão sendo reforçadas e nós já preparamos um"desvio" para caso a estrutura ceda a pressão da lama. 

Cora não conseguia ver quem estava entrevistando, no entanto, o seu filho via com clareza um homem que parecia ser rico. Vestia um terno e tinha ao lado um senhor bem sério com uma pasta de couro na mão. Como no hábito de criança, olhou a boca e o nariz dos homens presentes ali. Sua atenção se deteve no homem com a pasta, não tirava os olhos dele. Cora percebeu.

Chegou perto do filho e viu que ele estava quase que estático olhando alguém do outro lado da multidão. Foi então que achou ter visto uma miragem. Não poderia ser. Realmente era ele? Depois de tantos anos? Como poderia ainda ser tão bonito mesmo com rugas e marcas de expressão? O cabelo começando a ficar grisalho lhe deu um tom de seriedade impressionante. Ele continuava sem usar aliança e Cora começou a pensar que ele nunca perdera o hábito de perder as coisas. Involuntariamente, ela sorriu. E ele percebeu.

✦ ✦ ✦

Era ela. Tinha que ser ela.

Enquanto o advogado fazia pergunta às pessoas e esclarecia dúvidas da população, Michelangelo analisava os rostos. Procurava ansiosamente por um familiar, alguém que passariam os anos e ele ainda se lembraria. Viu de longe uma mulher e um adolescente caminhar em direção àquela massificação humana e pensou ser ela. Teve certeza quando o garoto começou a lhe encarar de forma engraçada e a mãe lhe acompanhar.

Num ato de coragem, Michelangelo começou a caminhar devagar esquecendo completamente onde estava. A cena era cinematográfica. Duas pessoas que no passado foram o tudo um do outro, naquele momento se olhavam como dois estranhos. Não conseguiam mais se reconhecer. Não sabiam mais quem eram. Apenas notavam as marcas do tempo no rosto um do outro. Porém, se amavam, ainda que discretamente.

Michelangelo a olhou sem parar. Viu o garoto perguntar algo trivial. Então se aproximou na velocidade da luz.

✦ ✦ ✦

Ele me chamou.

Cora quase desmaiou quando viu ele pronunciar seu nome bem devagar. Era como se o tempo tivesse parado. As órbitas dos planetas, de repente, se concentraram neles. Interrogou-se, por um instante, se não estava sonhando.

– Michelangelo. – Ela chamou de volta.

Queria segurar seu rosto e dizer o quanto sentiu saudades, mas seu coração ferido gritava para que corresse dali como se não houvesse mais amanhã. Em um meio termo do pensamento e da vontade, deu passos pequenos para trás e encarou o homem a sua frente.

– Não acredito que te encontrei. – Ele fala como se tivesse vindo àquele lugar somente para procura-la.
– Você não devia ter vindo. – Ela jogou.

Por um momento, Michelangelo pareceu hesitar. Cora jogara um balde de água fria em cima dele. Mas era de se esperar, afinal, ela sempre fora assim, dura, resistente. Deixou-se levar por memórias ruins e desejou não ter vindo ali. Olhou o garoto ao lado dela que observava tudo com atenção.

– Quem é ele, Cora?
– Não se atreva a falar com o meu filho! – Cora despertara do transe e defendera seu filho como uma leoa.

Filho?! Claro! Como eu poderia não ter notado? Os olhos do garoto iguais aos de Cora. E o nariz... o nariz igual ao dele. O jeito curvo de analisar alguém idêntico ao seu. Os lábios finos em linha reta. Tudo denunciava sua paternidade. Ele era seu, sem sombra de dúvidas. Michelangelo queria chorar, seu peito explodia em emoções. Mas ao contrário dele, Cora parecia tão indiferente a tudo. Ela não estava feliz em vê-lo? Michelangelo dirigiu os olhos marejados ao adolescente espinhento e disse:

– Abner, meu filho?

✦ ✦ ✦

Por três anos a coisa ficou no centro da Terra, bem no núcleo quente e líquido. E o que fazia lá? Aprendia tudo sobre nós.

Cada palavra, cada pessoa, cada coisa terrestre. Ela sabia de tudo, afinal, precisava entender a origem da sua outra metade.

Quando ela pousou na Terra e penetrou a crosta, abalou as estruturas, da mesma forma quando retornou a superfície. Aqui, começou sentir estranhas conexões. Sentiu-se atraída para algo não muito longe dela que pulsava, gritava, pela sua presença. Quando a água lhe feriu, foi essa atração que lhe salvou. 

Era o Sol que guiava o caminho até sua outra metade. A coisa sabia que precisava estar perto de humanos para conseguir moldar sua conformação igual a nossa, só depois disso poderia ver sua outra metade. Mas... Que humanos? Para onde ela ia, encontrava tudo devastado. A razão? Ela.

✦ ✦ ✦

Nota: 1154 palavras

Eu Nasci Nas EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora