CAPÍTULO 10

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O filho de Cora arregalou os olhos.

Do que ele me chamou?! Filho?! O garoto viu a mãe fechar as feições e dizer algo que ele nem se importou em prestar atenção. Seu cérebro congelara na forma como havia sido chamado. Queria entender o que estava acontecendo. Nunca vira aquele homem em toda sua vida, sua mãe, no entanto parecia já o conhecer. Tudo era estranho, mas Abner não tinha forças para exigir explicação.

Suas pernas fraquejaram e ele sentiu que ia cair no chão. Aquele homem era seu pai de verdade ou o chamará de "filho" como um hábito dos mais velhos? De relapso lembrou que Salsicha chamava o Scoob Doo assim, então... era só uma expressão?

 – Você é meu pai? – Interrompeu a pequena discussão de sua mãe com o estranho.

Os dois pararam e olharam para ele. Haviam esquecido que Abner estava ali. O garoto estava completamente alheio ao romance mal terminado que viveram no passado. Nem Cora, nem Michelangelo souberam oferecer uma reação.

– Eu perguntei, você é meu pai? – Abner voltou a perguntar, porém de forma alterada, atraindo a atenção de alguns que assistiam às entrevistas.

De repente, todos estavam observando aquela trama familiar e um burburinho preenchia o ambiente. O advogado percebeu que Michelangelo saíra do seu lado e se desesperou. O cinegrafista deixou de filmar as pessoas e focou em Cora e seu filho. Alguém da equipe dele começou a comentar em frente às câmeras que em meio à turbulência do acidente ambiental, o passado íntimo de alguém ainda podia aparecer.

– Sou. – O empresário respondeu com coragem.
– Você é? – O garoto retrucou.

A câmera focou no rosto chocado de Abner. Uma perda de fôlego coletivo se instaurou. De repente, a mulher que contava histórias para as crianças na Capela tossiu, liberando Cora da "anestesia". Ela não acreditava no que tinha acabado de ouvir.

– Você não pode dizer isso ao meu filho! – Vociferou ela – Eu te disse pra ficar longe dele.
– Não vou ficar longe da única pessoa que tem meu sangue. –Michelangelo contra-argumentou.

A revelação chocou até mesmo o advogado. Michelangelo quase disse "Isso mesmo! Abner é meu único filho legítimo", masse controlou. As emoções estavam a mil no seu peito. Quanta saudade senti.

Cora não soube o que responder. Seu peito ardia em chamas. Seus olhos marejaram. Por que aquele homem voltava do fundo do abismo para atormenta-la? Quantos anos fugiu do amor que sentia por ele e em um segundo tudo foi desfeito. Por quanto tempo ainda tinha que sofrer por causa de Michelangelo? Ela poderia realmente ainda amar a ele? Mas e os anos que passou ao lado do seu marido? Como explicar tudo isso a Abner?

– Você sempre foi o amor da minha vida. – Ele falou suavemente – Não devia ter ido embora. As coisas não seriam assim pra você agora.

Michelangelo notou que Cora e seu filho poderiam ter morrido. Estavam naquele lugar, sem conforto, provavelmente sem dinheiro, a mercê do desespero. Se ela não tivesse aceitado a proposta que a esposa dele tinha feito, não estaria passando por tudo isso, conquanto, teria cuidado dela. À vista disso, o empresário começou a pensar que aquele acidente realmente não tinha sido provocado por ele, isto é, nunca teria feito algo que pudesse prejudicar os dois.

– Você não sabe do que está falando! – sibilou Cora – Eu não me arrependo de ter saído da sua vida! Olha onde sua vida nos meteu seu desgraçado! Por sua causa muita gente morreu, inclusive minha melhor amiga, quase perco minha casa, estou desempregada e meu marido foi embora! Se eu estivesse aqui ou lá, minha vida ainda seria cheia de tragédias.

– Claro que não! Eu teria cuidado de você! – Michelangelo retrucou.

– Teria cuidado? – O olhar de Cora era assustador. Ódio ou amor? – Ora seu... Como pode dizer que cuidaria de mim e do meu filho? Você nem ao menos nos procurou durante todos esses anos, nem mesmo para me oferecer um pacote de fraldas. Você me abandonou. Ainda tem coragem de dizer que me ama?

Quando Cora terminou, estava exasperada e chorando. Abner abraçou-a de lado e começou a alisar de leve suas costas. Todos estavam atônitos. A câmera registrara tudo. Ninguém ousava comentar ou respirar. O advogado viu o desastre que tinha acabado de acontecer com a viagem e pediu que parassem as filmagens. Mandou anunciar que estava distribuindo cestas básicas na caminhonete atrás e todo mundo esqueceu do pequeno drama que os três estavam passando. O jurista se aproximou com cautela e tocou o ombro de Michelangelo.

– Estou começando a me cansar de te tirar de enrascadas. – Disse sem medo – Fico me perguntando como você conseguiu erguer um império com uma estrutura emocional tão fraca.

O empresário encarou seu advogado e viu mais uma vez o presente batendo na sua cara. Como uma viagem de negócios poderia ter sido tornado um circo armado no quintal de casa? E agora, o que ele deveria fazer? Ir embora depois de ter sido humilhado na frente do próprio filho? Ele não tinha feito nada disso, por que então Cora lhe acusava?

– Já podemos ir? – O advogado perguntou.

Abner viu o pai dar meia volta e se distanciar. Embora ele quisesse gritar para que esperasse, nada conseguia soltar a não ser lágrimas. Agora ele sabia da verdade e para seu azar, seu pai era o homem que ele mais odiava.

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Ela sabia onde ele estava. Só precisava encontrá-lo. Estava na hora de cumprir sua jornada em busca de uma alma vermelha.

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Nota: 942 palavras

Eu Nasci Nas EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora