Capítulo 14

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O metrô sacolejava o corpo de Abner de um lado para o outro. Os passageiros, alheios ao mundo e alguns às suas próprias vidas, não se importavam se ele colocaria o lanche da tarde para fora. Essa experiência, definitivamente, não voltaria a se repetir. Era a sua primeira viagem em um transporte como aquele. Imaginava ser algo mais emocionante, como quando viu (e utilizou) um ônibus elétrico que era ligado a uma fiação que lhe gerava energia pelas principais avenidas, mas a sensação era tão comum quanto andar de bicicleta, quiçá o garoto já tinha se acostumado com a vida paulista e nada mais o maravilhava ou simplesmente um trem subterrâneo não era legal para ele. A vista lá fora lhe oferecia apenas as paredes do túnel passando em alta velocidade e ele sentiu falta de ver pela janelas os prédios acinzentados e pixados até o topo. Felizmente, sua parada finalmente havia chegado.

Abner saiu com mais alguns corpos combalidos pelas portas automáticas segurando firme a mochila. Nunca andara por aqueles lados da cidade, mas era somente lá que encontraria o que, ou melhor, quem procurava.

Em determinada ocasião, Abner vira Cora chegar tarde em casa, bêbada pela primeira vez. Mal conseguira tirar os sapatos, pois tropreçara e caíra fazendo o conteúdo da bolsa de couro se esparramar pelo chão. O garoto não comentou, mas encontrou entre os pertences da mãe um cartão de visita de uma médium e, mais tarde, ouvira uma conversa no telefone sobre cartas e um futuro perturbador que aguardava a Matriarca dos Maldonados. Era exatamente essa mulher, com poderes sobrenaturais aparentemente, que o guri encontraria naquela noite. De acordo com o cabeça oca neto do dono da conveniência, médiuns estavam num meio termo da realidade e metafísica e talvez somente eles poderiam dizer com mais detalhes e clareza o que Abner era, afinal, ele estava basicamente na mesma posição.

O espaço da médium fez Abner estremecer. O letreiro brilhante dizia: Obscura, a cartomante. O prédio preto escondia em seu interior sofás vermelhos e máquinas de narguilé, além de cortinas de pedras de rubi falsas que separavam a recepção do resto do lugar. Ninguém atendia a entrada, mas havia duas pessoas sentadas que o rapaz não soube distinguir na escuridão do ambiente. Abner caminhou para o quarto onde supostamente deveria estar a mulher, encarando os potes com cobras e bichos esquisitos em algumas prateleiras sobre o balcão.

Então, ele a viu. Uma senhora na casa dos sessenta anos - com uma capa preta e o capuz escondendo os cabelos brancos e vermelhos - sentada à mesa no centro do salão. Seus olhos azuis cintilavam juventude e as mãos ágeis embaralhavam um jogo de cartas bordadas em dourado. Luzes azuis e vermelhas davam um ar sombrio as paredes e chão. Não havia janelas. Tudo era preto.

- Olá rapazinho - ouviu-se a voz serena da idosa - O que estás a procurar?

A resposta mais rápida que veio à cabeça de Abner foi perguntar-lhe se ela já não deveria saber em virtude dos seus "poderes sobrenaturais". No entanto, algo nos olhos dela mostrava que queria ouvi-lo dizer em voz alta. O garoto tomou coragem, por fim, e sentou-se na cadeira oposta à senhora.

- Eu... Vim... Saber quem eu sou.

Por um breve momento a cartomante parou de embaralhar as cartas, logo em seguida, embaralhando mais rápido, como se estivesse ansiosa. Ela soltou uma risada doce acompanhada de una fala:

- Ora, jovem, você não precisa de mim para saber isso. Isso só você pode fazer, olhando para dentro de si mesmo. Mas se quiser ver seu futuro, escolha uma carta.

Ela indicou o baralho recém aberto à sua frente. Ainda não dirigia seus olhos para o visitante, parecia ter toda a calma do mundo. Isso deixou Abner inqueito, fruto da pressa por respostas.

- Não é isso. - Contra-argumentou Abner - Eu quero saber sobre minha origem, por qual propósito fui criado.

Houve um silêncio.

Eu Nasci Nas EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora