Prólogo. Em fuga - 1997

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Então, era assim que acabaria. Sentiu o gosto amargo lhe cortar a garganta, enquanto o líquido viscoso e vermelho lhe descia pelo rosto. A cabeça pesava. O cheiro de terra e lama era inebriante e tomava conta de seu nariz. A escuridão da noite dançava por entre o brilho das estrelas solitárias. Alí, com o peito contra o chão e as roupas sujas, sentiu que o fim estava cada vez mais próximo. O vento forte transformava a terra em poeira tão densa quanto a névoa. Se perguntou o que dera errado, mas já sabia a verdade, nada nunca esteve certo. Por um minuto, pensou que talvez essa fosse a explicação para tudo que acontecera. Nada esteve certo.

Suas pernas tremiam, já sem forças. Podia sentir, lá no fundo, o sangue escorrendo na lateral da coxa. O fêmur, recém quebrado, latejava por entre os músculos, o fazendo não esquecer da queda que sofrera. As mãos apertavam as pedras e a terra laranja. O gosto amargo da decepção se juntava com o gosto metálico do sangue, o deixando enojado. Muito se passava por sua cabeça, mas nada era lúcido o bastante para saber se era realidade ou apenas alucinação. Tudo eram apenas relances, nuances tênues entre a ficção e a realidade. Como pude deixar tudo isso acontecer? Como tudo acabou virando essa merda? Seu sorriso, o brilho intenso de seus olhos. Como pude deixar alguém morrer? Como puder deixar alguém que amo morrer?

Ouviu os passos se aproximando. Podia sentir o frio denso e sádico lhe subir das pernas até os cantos dos ouvidos, verberando apenas uma sensação: Pânico. Os passos eram pesados, vagarosos, mas pareciam estar cada vez mais próximos. Podia ouvi-lo. Sim, ele também estava lá. Lhe acompanhava desde aquela noite e não o deixaria agora. Ouviu suas palavras. "Corra! Levante e corra!". Se perguntou por quais motivos iria ouvi-lo justamente agora. Ele é culpado de tudo! Toda essa merda aconteceu por causa dele! A raiva lhe fez apertar a terra molhada, já quase transformada em lama. "Não coloca a culpa das tuas idiotices em mim. Agora te levanta e corre!"

E, em meio a dor, se levantou. Em meio a fraqueza, andou. Cambaleava e manchava as árvores com seu sangue, enquanto a luz adentrava por entre as copas das árvores e iluminava a lama do chão. Mas, não era o bastante. As árvores deram lugar à velha "Pedra do salto da morte" e lá em baixo a água corria, rápida e violenta. Olhou para trás e viu quem o perseguia. Estava próximo às árvores, carregando um olhar de ódio que ansiava por vingança. Já não havia para onde fugir. Seria assim que tudo acabaria. Olhou para o lado e lá estava aquele que o acompanhava desde aquela noite. Ele lhe gritou "Vamos pular! Pula!". O corpo já pesado e sem forças quase não saiu do chão, antes dele se atirar da grande pedra, suja de limo e cheia de pichações. E assim caiu, se perdendo na escuridão da densa água, que corria violenta e rápida no profundo rio.

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