Olívia

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Se alguém lhe perguntasse como ele chegou ao hospital naquela noite de sexta ele jamais saberia responder.

Era como se seu cérebro todo tivesse tido uma pane, e ele tivesse ligado uma espécie de piloto automático movido pelo pânico. Seu corpo reagia muito mais rápido do que suas idéias e antes mesmo de parar pra pensar no que deveria fazer ele já estava fazendo.

Seus gritos tinham alarmado alguns vizinhos, que se prontificaram imediatamente a ajudar de alguma forma. Um deles, ele não lembrava quem, o ajudou a colocá-la no carro para seguirem ao hospital.

O caminho até lá foi feito em menos de 10 minutos. Provavelmente um recorde em um trânsito como o do Rio de Janeiro. Para ele pareceu uma eternidade. Agatha alternava entre apagões e momentos de consciência. Conseguiu, por algum milagre divino, fazer uma ligação para o médico e outra para sua mãe, que desligou antes mesmo de ele terminar de falar para correr para o hospital.

Não se permitiu chorar até o momento em que a entregou para os médicos e viu eles a levarem em uma maca para dentro do hospital. Se viu parado no meio daquele corredor, a camiseta preta e as mãos com várias manchas de sangue. Suas pernas já não aguentavam o peso de seu corpo e graças a Deus ele achou uma cadeira, se não teria caído de joelhos ali mesmo.

Apoiou a cabeça nas mãos e só então deixou que todo aquele desespero que estava guardando lhe tomasse. Chorava tanto que achou que iria engasgar com seus soluços a qualquer momento.

Ele não conseguia entender, não fazia sentido. Não era possível que a vida, que Deus, ou que qualquer outra coisa, tinham lhe permitido alcançar tudo que ele mais desejou e amou em toda sua existência, só para perdê-las.

A imagem dela desfalecendo em seus braços não saia de sua cabeça. De segundo em segundo ele a via, junto com tantas outras imagens embaralhadas que lhe embaçavam os pensamentos.

A viu tão menina, com seus vinte anos, ansiosa com seu primeiro trabalho, quando se conheceram há tanto tempo atrás. Já devia saber que era amor quando seu coração, sempre tão ritmado, errou várias batidas na primeira vez em que colocou os olhos naquele sorriso.

Lembrou da primeira vez que sentiu o gosto daqueles lábios, em um beijo roubado aguardado há tempos por ele, e que logo descobriu que por ela também. Lembrou da completude que sentiu no momento em que se tornaram um pela primeira vez, e que voltou a sentir em todas as outras incontáveis vezes em que se amaram. Ele pertencia a ela. Não queria jamais deixar de pertencer.

Ouviu a voz dela sussurrando, aos prantos, o quanto o amava e tinha medo de perdê-lo. Ouviu ela dizer, com toda a certeza do mundo, que casaria com ele. Sentiu as mãos na barriga dela naquela noite estrelada em Itacuruça. Sentiu as palavras dela lhe contando que já não eram mais só os dois.

Chorou ainda mais forte.

Queria poder trocar de lugar com ela. O faria num piscar de olhos se possível. O sentimento de impotência diante daquilo o dilacerava por dentro. Sempre pensou que poderia protegê-las de tudo. Ele era marido e pai, deveria poder.

Fez uma prece silenciosa a Deus pedindo por aquelas que eram a sua vida.

Foi tirado de seus devaneios ao escutar vozes conhecidas, mas que pareciam tão longe diante do som de seu choro e das batidas violentas do seu próprio coração.

Era a voz de seu irmão, nervosa e acelerada, perguntando alguma coisa para algum funcionário do hospital. Uma Yanna desesperada e chorosa o acompanhava.

Sem aviso, sentiu-se ser envolvido pelos braços que lhe acalentaram uma vida inteira.

"Meu filho, o que aconteceu?"

Momentos de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora