2

5.3K 218 5
                                    

A sensação do ar frio de Montreal atingiu meu rosto assim que saímos do aeroporto. Apesar do sol tímido no céu, o vento cortante me fez encolher um pouco dentro do meu casaco. Eu ainda estava me acostumando com a ideia de estar aqui, em outro país, com uma nova realidade à minha frente. Canada… quem diria?

Ainda processando a mudança e perdida em pensamentos, eu quase não notei quando esbarrei em alguém.

– Me desculpa mesmo, eu não estava prestando atenção enquanto andava – falei rápido, as palavras saindo num atropelo nervoso. Eu levantei o olhar para a pessoa que eu tinha quase derrubado, reparando em uma garota de traços asiáticos, olhos curiosos e um sorriso tímido.

– Está tudo bem – ela respondeu com um leve sotaque, a voz delicada, mas marcada por uma dificuldade perceptível com o idioma.

– Você não é daqui, certo? – perguntei, tentando ser educada e, ao mesmo tempo, curiosa sobre o sotaque que identifiquei.

– Ah, sim. Eu sou do Japão – ela disse, sorrindo agora com mais confiança. – Hina Yoshihara. Prazer!

– Any Gabrielly – respondi, oferecendo um sorriso em retribuição. – E essa é minha amiga, Sina.

Sina, que até então estava quieta ao meu lado, levantou a mão e acenou de maneira casual, com um sorriso fácil nos lábios.

– Oi – Sina cumprimentou a japonesa com um gesto leve. – Me desculpe por ela, às vezes acho que a Any vive no mundo da lua – disse, rindo de maneira brincalhona, enquanto eu revirava os olhos e soltava uma risada involuntária.

Nós três rimos juntas, e por um breve momento, a frieza de Montreal pareceu se dissipar. Aquele encontro inesperado estava, de alguma forma, criando uma espécie de alívio no peso que eu vinha carregando desde que chegamos aqui.

Mas, claro, meu pai nunca perdia uma oportunidade de quebrar qualquer sentimento de leveza.

– O que está acontecendo aqui? – sua voz ríspida surgiu atrás de nós, cortando o momento. – Vamos, Any, a gente tem que ir.

Suspirei internamente. Claro. Sempre na hora errada.

– A gente precisa ir – disse, me voltando para Hina, com um olhar de desculpa estampado no rosto. – Foi um prazer te conhecer, Hina.

Antes que eu pudesse dar mais um passo, Hina segurou meu braço, hesitante, mas com um brilho de esperança nos olhos.

– Espera! Vocês podem me passar seus números? – ela perguntou, mordendo o lábio como se estivesse insegura. – Eu sou nova aqui e… bom, não conheço ninguém ainda.

Troquei um olhar rápido com Sina, e ela imediatamente pegou o celular de Hina com um sorriso acolhedor.

– Claro! Aqui está – Sina disse, digitando nossos números no telefone dela.

– Depois manda uma mensagem para nós, ok? – falei, tentando soar o mais encorajadora possível.

– Com certeza – Hina respondeu, sorrindo com genuína gratidão.

Enquanto meu pai nos apressava, seguimos para o táxi, deixando Hina para trás. O caminho até a nossa nova casa não era longo, mas foi o suficiente para minha mente se perder em pensamentos sobre tudo o que estava por vir. Nova cidade, novas pessoas… seria isso uma oportunidade para um novo começo? Ou mais uma tentativa frustrada de me encontrar em meio a tanta mudança?

Ao chegar, me deparei com uma casa que era… colossal. Talvez um pouco exagerada para três pessoas. Olhei para o imenso jardim e, mais além, a piscina. O brilho fraco do sol refletia na água parada, que parecia intocada, como se ninguém tivesse ousado mergulhar ali em anos.

– Bem… isso é, sem dúvidas, um pouco demais – murmurei para Sina, que apenas deu de ombros, acostumada a esse tipo de coisa.

Enquanto Sina subia para desfazer as malas, eu resolvi explorar um pouco a área externa. O sol brilhava, mas não trazia calor algum. Mesmo sentada perto da piscina, o vento gélido de Montreal não deixava esquecer que estávamos no Canadá, e não em algum lugar tropical e ensolarado como no Brasil, de onde eu realmente vinha. Era um contraste difícil de ignorar.

Enquanto meus olhos vagavam pelo jardim vazio, algo chamou minha atenção na casa ao lado. No andar de cima, eu consegui enxergar o que parecia ser uma silhueta familiar na janela. Me levantei, sentindo o coração bater mais rápido.

– Hina? – chamei, correndo na direção da casa ao lado.

A figura virou-se de súbito, parecendo surpresa, e eu percebi que havia sido um pouco intensa demais. Quando cheguei mais perto, a janela se abriu e uma voz familiar me respondeu:

– Any? O que você faz aqui? – Hina estava visivelmente confusa, mas com um leve sorriso de surpresa nos lábios.

– Eu moro ali, naquela casa ao lado! – disse, ainda sem fôlego, apontando para nossa nova residência com o queixo. – Parece que somos vizinhas.

– Uau, que coincidência – ela riu, parecendo aliviada. – A Sina também mora com você?

– Sim – confirmei. – Ela provavelmente ainda está desfazendo a mala ou… dormindo. O voo foi bem longo.

– Ah, sim, eu ia perguntar isso! Vocês são de onde mesmo? Eu acabei esquecendo de perguntar no aeroporto.

– A gente morava na Alemanha – expliquei, jogando o cabelo para trás. – A Sina é alemã, mas eu sou brasileira.

– Sabia que tinha algo diferente em você – ela disse, sorrindo de forma doce, como se tivesse feito uma grande descoberta.

Hina então me olhou com expectativa e, em seguida, gesticulou para a porta da frente.

– Quer entrar? Eu estava sozinha e… seria ótimo ter companhia. Podemos conversar mais até a Sina acordar!

Hesitei por um segundo, mas acabei concordando. Talvez o Canadá não fosse tão ruim, afinal. E Hina parecia uma boa amiga em potencial.

– Pode ser – sorri.

O tempo passou rápido enquanto conversávamos. Horas se passaram entre risadas e histórias, e antes que eu percebesse, já estava escuro lá fora. Entre uma conversa e outra, Hina mencionou que iríamos estudar na mesma escola. Eu não sabia o que esperar dessa nova fase da minha vida, mas talvez, com Sina e Hina ao meu lado, as coisas pudessem ser diferentes.

Talvez eu finalmente encontrasse algum tipo de paz – mesmo que em meio ao caos da mudança.

Ao Som Do Amor Onde histórias criam vida. Descubra agora