Eu sabia que a vida tinha uma capacidade especial de surpreender — mas, honestamente, essa era uma das surpresas que eu preferiria evitar. Quem diria que uma viagem de mudança para um país estrangeiro seria assim? Não o "começo de algo novo e emocionante" que eu havia imaginado em minha cabeça otimista de adolescente. Em vez disso, a mudança para a Alemanha foi um começo de… nada.
A viagem de avião foi longa, fria e cheia de silêncios que meu pai se recusava a preencher. Simon Fuller, homem de poucas palavras, mantinha os olhos grudados no jornal, ou no laptop, ou no telefone. Qualquer coisa, menos em mim. Sua filha. Eu, Any Gabrielly, sua única filha, que acabava de perder a mãe e, aparentemente, também qualquer chance de um relacionamento real com ele.
Suspirei, observando o reflexo borrado da minha expressão abatida na janela do táxi. A Alemanha passava diante dos meus olhos como um borrão cinza e sem vida, o que parecia irônico, considerando que deveria ser um novo começo. Uma nova cidade, uma nova escola, uma nova vida. Tudo isso deveria ser empolgante, mas tudo o que eu conseguia sentir era uma pressão crescente no peito — uma mistura de ansiedade, tristeza e raiva.
– Estamos quase chegando – meu pai anunciou do banco da frente, sem nem me olhar. Sua voz era como uma batida de relógio. Monótona, ritmada e impessoal.
Eu fiz que sim com a cabeça, não confiando na minha voz para responder. Desde que minha mãe morreu, nossas conversas se resumiam a silêncios constrangedores e ordens frias. Era como se, ao perder ela, eu tivesse perdido também qualquer laço emocional que pudesse nos unir. Meu pai se fechou em uma concha de trabalho, poder, e… controle.
Enquanto o carro desacelerava para virar em uma rua estreita e arborizada, observei o bairro. Casas enormes e intimidantes surgiam à nossa volta. Elas pareciam mais fortes e imponentes do que eu jamais seria. Cada uma delas tinha uma cerca alta, como se quisessem deixar claro que o mundo lá fora era algo do qual devíamos nos proteger. Bem, isso me parecia adequado.
– Essa é a casa – meu pai disse de repente, com o mesmo tom neutro de quem estava pedindo café em uma cafeteria. A casa à nossa frente era grande, de pedra escura, com janelas estreitas e uma porta que parecia um convite para o isolamento total. Era como se ela dissesse: Bem-vinda à sua nova prisão, Any.
Eu desci do carro com uma leve hesitação. Quando pisei na calçada fria e sentei meus olhos na imensidão sombria da nova residência, uma sensação de peso se alojou no meu peito. Tudo parecia muito... pesado. O ar, as árvores, até a luz do sol parecia se esforçar para iluminar. Como se tudo estivesse em câmera lenta.
Meu pai passou por mim em direção à entrada sem olhar para trás, e eu sabia que ele esperava que eu o seguisse como uma sombra silenciosa, como sempre. Mas, em vez disso, eu fiquei parada ali, meus pés presos ao chão como se ele estivesse sugando minha energia. Meu olhar se desviou para a mala aos meus pés, uma bagagem que pesava muito mais do que só minhas roupas.
Finalmente, eu o segui, sentindo que cada passo me afundava ainda mais no chão. Era como caminhar em areia movediça. Quanto mais eu tentava avançar, mais o peso emocional da situação me arrastava para baixo.
Dentro da casa, o ar era abafado, e o silêncio cortante. Tudo estava perfeitamente arrumado, cada móvel no lugar certo, mas era uma perfeição que parecia estéril, como se ninguém tivesse vivido ali de verdade. As paredes eram de um branco sem alma, e o único som era o eco de nossos passos na madeira polida.
– Esse será o seu quarto – meu pai indicou uma porta com um leve aceno de cabeça, antes de desaparecer pelo corredor sem uma única palavra de conforto ou boas-vindas. Como se fosse apenas mais uma tarefa para riscar da lista.
Eu empurrei a porta e entrei no quarto. Era amplo, mas vazio de qualquer personalidade. Uma cama, uma escrivaninha, uma janela sem vista interessante. Apenas mais paredes brancas e sem vida. O silêncio era opressor, quase tangível.
Meus dedos traçaram o contorno da janela, olhando para o jardim lá fora, onde as folhas das árvores balançavam levemente ao vento. Havia uma certa paz ali, do lado de fora, mas era uma paz que eu não conseguia alcançar. Eu me sentia presa, tanto no espaço quanto dentro de mim mesma.
Mas eu não podia chorar. Não mais. Lágrimas eram inúteis. Não resolveriam o que estava quebrado dentro de mim, nem consertariam o que estava quebrado entre mim e meu pai. Eu estava sozinha nesse novo capítulo, e isso era algo que eu precisava aceitar.
Quando finalmente desfiz minha mala e coloquei minhas roupas nos armários vazios, me perguntei se algum dia essa casa deixaria de parecer uma prisão. Eu esperava que sim. Esperava que, de alguma forma, esse novo país trouxesse algo diferente. Algo que me fizesse sentir viva novamente.
E talvez, apenas talvez, me trouxesse alguém que pudesse ver além das minhas barreiras, alguém que entendesse que nem toda bagagem é visível. Porque, neste momento, o peso que eu carregava dentro de mim parecia mais pesado do que qualquer mala que eu pudesse trazer.
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Ao Som Do Amor
RomanceAny Gabrielly, uma jovem adolescente, reside na Alemanha ao lado de seu pai, que com a dolorosa perda de sua mãe a coloca diante do desafio de enfrentar não apenas a dor do luto mas também enfrentar a dura realidade de conviver com Simon Fuller, um...