Capítulo 14

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Meus dias em Florais estavam se esgotando e aquilo me deixava extremamente ansiosa, é como se eu ainda nao tivesse feito tudo o que deveria fazer ali. Tentava ao máximo arrastar aqueles dias dentro do porão da biblioteca, vasculhando lendo coisas novas e claro, revirando cada pedacinho daquele lugar atrás das cartas de Clara Avilar ou qualquer vestígio seu. Senhor Olavo havia desaparecido, eu quase não o via mais por ali, Amália disse que sua saúde estava vunerável e que ele passava o dia descansando. Pensei em conversar com ele um milhão de vezes, porém minha mente lutava em lados opostos de uma batalha. Uma parte me dizia que aquilo era apenas uma caixa velha repleta de papéis insignificantes  que não valeriam a pena o desgaste o outro lado, me gritava que havia muito mais naquela história do que apenas cartas antigas, me dizia que a história de Clara era...mais. Fecho mais um arquivo sobre a igreja e a poeira sobe me fazendo tossir, o dia estava mais quente do que o normal, sentia isso na indisposição de meu corpo e por mais que Amália corresse a cada 20 minutos repondo minha água ainda me sentia  fraca. Subo a rampa e encontro Amália de frente para seu computador, ela me olha preocupada

- você está bem?

- Acho que é o calor

- ta quente mesmo, por que você não vai pra pensao Manu?

- Eu vou sim, tenho que ajeitar algumas coisas lá  

Quando saio da biblioteca, o dia está morrendo , o céu pinta cores em laranja e rosa no horizonte  tornando a caminhada ate a pensao mais agradável;aquele era o por do sol mais lindo que eu já havia visto de todos os lugares que já conhecera japão, europa, austrália. Os postes estilo vintange com seus contornos em preto começam a iluminar as ruas de uma maneira fraca como uma pequena chama frágil, mas que quando cai a noite explode em uma luz brilhante. Era assim que via Clara Avilar, aparentemente uma pequena chama a luz dos outros, mas brilhante e forte quando a noite chegava e ninguém poderia vê- lá ,apenas o brilho das estrelas e a imensidão de seus sonhos. Se ela pudesse viver nessa época, o que ela diria? O que ela veria?

Chego ate a pensão e tudo está calmo por lá, vou direto a cozinha beber um copo de água, o dia hoje realmente quase me fez derreter. Termino e lavo copo transparente e quando desligo a água da torneira escuto um profundo e triste suspiro vindo da varanda, cautelosa me aproximo da porta de madeira da cozinha e vejo dona Maria sentada em uma das cadeiras com um porta retrato nas mãos, ela desliza o dedos na imagem que está lá e que não consigo enxergar. Seu nariz está vermelho e me parte o coração vê- la daquele jeito, quero perguntar o que aconteceu , quero poder abraça-lá, mas sinto que nao tenho esse direito. Começo a sair devagar, mas ela levanta a cabeça e me vê

- Me desculpe dona Maria, eu não estava te besbilhotando, eu só vim na cozinha e dai...

- está tudo bem querida - ela me interrompe dando um sorriso triste

- você está bem?

Ela dá um longo suspiro e fala

- Não, mas eu vou ficar - ela sorri novamente- você quer me fazer companhia?

Balanço a cabeça afimando e me sento na cadeira ao seu lado.

Depois de alguns minutos em silêncio, ela fala:

- eu tinha uma filha Manuela - Dona Maria retira a mão que tampava o porta retrato, revelando a foto de uma garotinha de cabelos loiros quase ruivos como o meu, amarrados em maria chiqueinhas sorrindo amplamente.

O sorriso dela me faz sorrir

- ela tinha apenas sete anos quando se foi e hoje estaria completando 32

Levanto a cabeça e olho para dona Maria, sinto meus olhos cheios de lágrimas pois a dor em seus olhos é profunda , as marcas em volta de seus olhos monstram um sofrimento vívido, uma ferida aberta

- eu sinto muito, qual era o nome dela? - é tudo o que consigo dizer

- Elisa, essa era minha Elisa.

Ela fala com orgulho e tristeza

- Seu coração era livre, Manuela - ela relembra sorrindo- queria viajar pelo mundo, adorava ler e conhecer as coisas. Eu juro que quando vi você e olhei dentro dos seus olhos a primeira vez, eu vi um pouco dela em você.

Ela sorri fracamente e eu seguro sua mão com força

- Essa é uma dor que nunca cicatriza... nunca esquecemos nem em nossos melhores momentos. Sempre existe uma falta, um vazio. Sabe Manuela, eu culpei Deus muitas vezes- ela fecha os olhos e balança a cabeça - como ele deixou que que a meningite atacasse minha menina e a levasse assim tão jovem?! O rancor e o ódio são lugares sombrios - ela fala olhando para o nada - mas eu me reergui, eu encontrei minha filha nas pequenas coisas ao meu redor e a fé dentro de mim se iluminou novamente, eu não sei quando nem como parei de culpar Deus  e comecei a entender os seus propósitos.

Estico minha mão e passo sobre o rosto de dona Maria enxugando uma lágrima solitária que desce por sua pele marcada pela tristeza, ela me olha com ternura, com um amor maternal.

- Sabe o que eu mais gosto em você Manu? Que você capita as emoções mais profundas e sinceras do coração dos outros. Com certeza será uma grande contadora de histórias.

Lhe dou um grande e forte abraço e de certa forma, me sinto em casa perto daquela grande e forte mulher. Dona Maria olha para mim enxuga as lágrimas e diz sorrindo:

- Bom, eu tenho que arrumar o jantar - ela me dá um beijo na bochecha e deixa a foto de Elisa sobre a cadeira em que estava sentada. Pego o porta retrato mais uma vez em minhas mãos e olho para a jovem menina, uma dor atravessa meu peito. Angustiada deixo a fotografia lá e sigo rumo as escadas que levam para o meu quarto, começo a subir os degraus de madeira e de repente tudo começa a girar, seguro o corrimão e forço a subida de mais alguns. O que estava acontecendo? Minha cabeça estava pesada, meu corpo girava em um ritimo frenético mesmo sabendo que estava  parada no mesmo lugar! Sinto tudo escurecer e meu corpo ceder, depois disso, não vejo mais nada.

-/-

Quando abro meus olhos, vejo tudo meio borrado meu corpo esta deitado em algo confortável posso sentir,mas meus olhos demoram vários segundos para entrar em foco

- Manuela, querida?

Escuto dona Maria dizer ao meu lado e finalmente a vejo em meu campo de visão

- Dona Maria, onde eu estou - digo e uma pontada lateja na minha testa como um grande soco- Ai! - coloco minha mão lá

- tente não se mexer muito, você está no hospital querida. Acho que você se enfraqueceu e levou um baita tombo na escada, está tudo bem você não quebrou nada, porém bateu a cabeça forte e ficou algumas horas desacordada. A sorte era que Felipe chegou lá quase que no mesmo instante e aplicou os primeiros socorros

- Felipe?

- Sim

Escuto a porta se abrir e Martinho enfia a cabeça dentro do quarto

- Manu que bom que ocê acordou - ele diz entrando com o pequeno chapéu marrom em suas mãos - ta melhorzinha agora fia?

Sorrio com carinho para ele

- Um pouco dolorida, mas estou bem sim. Obrigada pela preocupação Martinho.

- Martinho, vá chamar o médico para  examinar Manuela por favor

Martinho se apressa e sai como um foguete pela porta e eu solto uma risada fraca

- Manu, seu telefone tocou poucas horas atrás me desculpe tive que atender - ela diz - falei com Ricardo e tive que contar toda a situação, fiz mal?

Respiro fundo, ele com certeza deve estar pirando agora.

- Claro que não- digo a ela- obrigada

A porta se abre porém não olho imediatamente para quem entra, detesto hospitais, detesto médicos

- Aqui ó Manu, o doutô chegou pra ver se ta tudo certim

Olho para a pessoa vestida de jaleco branco em minha frente e juro que meu coração para por miléssimos de segundos. Estou completamente chocada ao ver que o médico é Felipe

Na linha do tempo ( Em Pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora