NOTAS (2)

3 1 0
                                    


Basta entrar na internet para ler que os cinquenta e dois fornos existentes em Auschwitz não teriam capacidade de queimar quatro mil setecentos e cinquenta e seis cadáveres por dia, média necessária para se chegar ao número total de mortos das estatísticas oficiais.

Há inúmeros textos sobre a impossibilidade de funcionamento das câmaras, por causa da dispersão do gás liberado pelas partículas de ácido cianídrico e da dificuldade de colocar tanta gente no interior de um compartimento desses sem despertar suspeita. O gás mataria os guardas quando entrassem na câmara depois das execuções. Mesmo com um sistema de ventilação milagroso, que eliminasse qualquer possibilidade de contato com o sistema respiratório, ou mesmo se os guardas usassem máscaras, as quais não eram cem por cento eficientes na época, seria preciso lançar a totalidade das partículas para o exterior do prédio, e isso teria matado os que estivessem na direção do vento — guardas, funcionários, oficiais.

Basta um clique, e está lá escrito que não há fotos ou plantas arquitetônicas das câmaras. Que não havia razão para matar prisioneiros que estavam trabalhando para os alemães. Que não havia por que diminuir a capacidade de campos que produziram carvão, borracha sintética, componentes químicos, armas e combustíveis, e o impulso que isso deu à economia do país beneficiando empresas como a BMW, a Daimler-Benz, o Deutsche Bank, a Siemens e a Volkswagen.

Já li que a fome matou não apenas judeus, mas uma grande parcela da população alemã da época. Que a questão não são as mortes, e sim se houve ato deliberado em relação a elas, e que nesse sentido não há um único documento que registre uma ordem expressa para a solução final, nem um único testemunho nazista feito com a assistência de um advogado e sob juramento, o que seria inverossímil em se tratando de uma alegada decisão de cúpula transmitida a generais, coronéis, majores, tenentes, sargentos, cabos e soldados, além de todos os funcionários civis e policiais das máquinas de extermínio.

Já li e ouvi muita coisa nessa linha, e um a um dos argumentos contrários, e poderia falar a respeito indefinidamente porque há gente que dedicou a vida inteira a formular essas perguntas e respostas, mas a questão que interessa aqui não é se o número de mortes foi inflado. Não é se as mortes aconteceram exatamente como na versão oficial. Não é se com base nessa versão se criou o que algumas pessoas chamam de indústria. Não é se o que essas pessoas chamam de indústria serve hoje para justificar qualquer tipo de opressão ativa que, com um tanto de elasticidade retórica e moral, daria para comparar à opressão sofrida na Segunda Guerra.

A questão aqui, na verdade, é que qualquer eventual mentira relativa ao tema, e mesmo que em essência o tema continue tendo a mesma gravidade, porque se Auschwitz tivesse matado uma única pessoa por causa de etnia ou religião a simples existência de um lugar assim poderia ter a mesma gravidade, qualquer imprecisão ou mentira mínima ou grandiosa não faria diferença para o meu pai — porque Auschwitz para ele nunca foi um lugar, um fato histórico ou uma discussão ética, e sim um conceito em que se acredita ou deixa de acreditar por nenhum outro motivo a não ser a própria vontade.


Diário da Queda - Michel LaubWhere stories live. Discover now