Capítulo V

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Surpresa? Em estado de choque? Horrorizada? Com certeza, sem dúvida e muito.

Não era mais que oito horas da noite quando todos se retiraram para ir dormir. Na verdade, eu estava no quarto desde minha conversa estarrecedora com Charlie. Não comi, não bebi, não falei com mais ninguém, mesmo sabendo que estava sendo espionada pela janela por aqueles ruivos estranhos. Podiam ser boas pessoas, mas meu estado de espirito do momento não me permitiu apreciar suas qualidades.

Sequestrada por não ser boa o bastante para me casar com o príncipe de Gales? Isso era ultrajante, para não dizer, no mínimo, ridículo. Nos contos de fadas essa situação seria tão simples. Bastaria nos amarmos para sermos felizes pelo resto de nossas vidas.

Era um tormento ter que lidar com essa dor que me abraçava enquanto eu esperava Charlie pegar em um sono profundo para que eu pudesse entrar em seu quarto e revirar aquilo do avesso. Esperava encontrar seu celular e conseguir contato com Ryld facilmente.

Me levantei devagarinho da cama, temendo que a madeira envelhecida fizesse algum barulho. A lua era tão brilhante ali, que conseguia proporcionar uma excelente iluminação no quarto. Guiada pela lua, segui minha rota até a escada. Subindo pé ante pé e mordendo o lábio para conter minha respiração ruidosa. Não havia corrimão, então foi preciso muito cuidado para não cair. Eu que sempre fui tão desastrada, planejava me sair melhor essa noite.

Charlie estava esparramado em sua cama como se fosse o próprio lençol — braços e pernas esticados. Dormia serenamente e os braços nus me diziam que o frio não o incomodava. E nem pudera, seu quarto tinha uma pequena lareira para aquecê-lo. A verdadeira surpresa estava na simplicidade do quarto. O cômodo consistia-se em uma cama, um criado mudo de madeira com um abajur em cima, um pequeno tapete xadrez e um guarda-roupa de duas portas. Sem televisão, sem computador, absolutamente nada de tecnologia. Na verdade, eu até me surpreendi pela tomada ao lado da cama. Os anos pareciam correr de uma forma diferente para aquelas pessoas...na realidade, não corria. Eles simplesmente pararam no tempo.

— Posso ajudá-la, madame? — Sua voz foi como fogos de artificio disparado dentro de uma biblioteca. Dei um pulo. — O que está procurando?

Pensei em apenas perguntar: "cadê seu celular?", mas seria uma grande burrice te contar sobre meu plano. Por isso, abri o guarda-roupa e, quando encontrei o terno que ele estava usando no dia que me raptou, o arranquei do cabide.

— O que...o que está fazendo? — Ele perguntou e se levantou da cama.

Seu abominável peito desprovido de tecido, me encantou por um minuto como se fosse uma serpente. Foi por pouco que minhas mãos ébrias não soltaram o blazer que eu segurava.

Desci a escada como se estivesse descendo um escorregador, não me lembrava dos meus passos pisando degrau por degrau. Quando percebi que Charlie fazia o mesmo, não tive outra alternativa que não sair porta afora para encarar uma noite fria e um céu acinzentado. O vento cortante chicoteou em minhas bochechas e secou meus olhos que antes estavam umedecidos pelas lágrimas que derramei enquanto estava com a cabeça no travesseiro.

— Tess! — Charlie me chamou aos gritos e correndo ao meu encontro. Se o frio para mim que estava agasalhada era quase insuportável, para Charlie certamente era dez vezes pior.

Me concentrei em revirar os bolsos do seu blazer, sem perder velocidade. Procurei nos bolsos de dentro, nos bolsos de fora. Estavam vazios. Apenas...vazios.

— Não. Não. — Falei, amiúde. Olhei para o mar de ondas violentas, olhei para as montanhas, soturnas e solitárias e optei por encará-las pelo fato de eu não saber nadar.

Um escocês no meu caminho Onde histórias criam vida. Descubra agora