parte III: dia de são valetim

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A cidade estava infestada de corações, propagandas e qualquer tipo de poluição visual que me fizesse lembrar do dia de São Valetim. Naquele dia específico, as mulheres davam chocolates feitos à mão para os seus parceiros. Sabe, é muito fácil tirar dinheiro de pessoas sentimentalmente vulneráveis. É muito fácil entender como o capitalismo funciona, é só colocar o seu amor em jogo, itens bem caros e fazer propagandas que induzam brigas caso aquela data seja vista como algo em vão.

É incrível como vendem amor dentro de caixas de chocolate como se isso fosse a base de um relacionamento. Digo, criaram uma data em que você precisa provar o seu amor por meio de presentes e fotos nas redes sociais. A única coisa que eu queria era poder abraçar a minha namorada e eu juro por tudo que existe de mais sagrado que me tornaria vítima do capitalismo se vendessem passagens de avião dentro de caixas de chocolate.

O Minho passou o dia inteiro ajudando a Haeyoon a fazer uma caixa de chocolates artesanais para o namorado dela e eu me perguntei se eles não tinham nada melhor para fazer. A verdade era que eu estava com inveja por ela ter a quem presentear e abraçar, mas era inveja gospel, então podia.

Estava voltando para casa depois do trabalho de meio período e passei num restaurante para comprar algumas coisas que Haeyoon pedira. Ela faria o jantar e isso era bom posto que Minho costumava fazer de uma refeição simples um imenso desastre; ele também costumava errar o ponto das comidas, fazia o queijo ficar doce e o sorvete, salgado. Minho era um desastre!

Assim que cheguei em casa, deixei os sapatos na porta, calcei as surippas e segui para a cozinha da pequena residência que dividíamos. Dei boa noite à Sooyoung e ela não respondeu, como de costume; depois disso, falei com os dois que começavam a cortar os legumes. Minho contava algo sobre a faculdade e Haeyoon gargalhava, até que ela pareceu ter um lapso de memória e direcionou-se para mim:

— Fiz um pouco de chocolate artesanal para o meu namorado, quer provar um pouquinho?! Sobrou uma pequena quantidade!

— Adoraria.

Haeyoon pegou um potinho de dentro da geladeira e uma colher na gaveta, me dando uma colherada para provar; estava delicioso. Ela tinha uma boa mão para cozinhar e não era à toa que estava a se formar em gastronomia. Eu diria com grande empenho o quão havia amado o chocolate, mas só disse "hum, bom" e petisquei uma tira de cenoura em seguida.

Sooyoung copiava algo nos caderninhos que dividíamos para anotar as despesas da casa e então a campainha tocou. Todas três olhamos para Minho e ele foi obrigado a ir até a porta para atender. Era o entregador de correspondências. Ele deixou três contas e uma embrulho amassado.

Os papéis foram dados à Sooyoung e a embalagem continuou nas mãos de Minho enquanto ele lia as informações do remetente e o destinatário.

— É para você, Chaewon — aproximou o nariz da embalagem para farejar o que tinha dentro. — E é chocolate... Wonnie, você namora?!

— O QUÊ?! — dei a volta na mesa e arranquei a embalagem das mãos de Minho. — Nã-não, eu encomendei isso pela internet... São importados... Da Suíça...

— Mas o remetente é daqui da Coreia do Sul, de Daegu.

— São falsificados.

— Não são não.

— Você passa o dia inteiro comprando coisas na internet e dia após dia eu tenho de recolher as encomendas, mesmo assim, não lhe questiono nada, por que está fazendo isso comigo?!

— C-Chaew...

— Quer saber?! Perdi a fome.

— De novo?! Eu farei kimchi e bibimbap — disse Haeyoon.

Revirei os olhos e segui para o meu quarto, fechando a porta e sentando em minha cama para abrir a embalagem. Havia uma caixa comprada em lojinhas de decoração com um grande laço de fita preto. Em seu interior, vários cubinhos de chocolate cortados de qualquer jeito, mas de bom grado.

Além disso, havia um papel escrito "coma-me e depois mande-me uma mensagem". Os corações e raios desenhados ao redor me remetiam a apenas uma pessoa: Hyeju. Nós nunca tínhamos nos visto pessoalmente mas eu sabia de suas manias. Ela era muito jeitosa, com certeza se dedicou o dia inteiro e fez grande esforço para que a encomenda chegasse a tempo. Me sentiria mal se soubesse que ela gastou dinheiro com frete para que ele fosse entregue ainda naquele dia.

Antes de comer, enviei uma mensagem para ela agradecendo ao doce, e ela disse que havia os feito com a ajuda de uma amiga próxima. Eu percebi, por meio de suas mensagens, o quão entusiasmada estava por conta daquele presente. Pediu desculpas por talvez ter derretido ou não estar tão gostoso, mas eu não me importava. Só de saber que ela perdeu um grande tempo do dia preparando aquele chocolate, gastando o pouco dinheiro que tinha para comprar a caixinha e enviar para mim já bastava para tornar o fracassado dia de São Valentim num dos meus dias prediletos.

talvez, mas só talvez, eu estivesse sendo vítima do capitalismo e me deixado tão vulnerável a ponto de apreciar uma data voltada a rentabilidade comercial com a venda de sentimentos encaixotados com sabor de chocolate.

vinho tinto ✦ hyewonOnde histórias criam vida. Descubra agora