parte I: dia do diário

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Um fato que eu não mencionei sobre Hyeju é que ela morava numa outra cidade, bem afastada da minha, em Daegu. Uma passagem de avião daria um jeito nisso, mais ou menos uma hora de voo, mas passagens são muito caras e eu não teria como desinteirar esse valor do meu salário, mesmo a amando de modo inexplicável e querendo mais que tudo sentir o toque de sua pele. Nós começamos o nosso relacionamento há seis meses pela internet, e acho que era mais por isso que eu me sentia tão frustrada às vezes.

As coisas por aqui são bem precárias quando se trata de relacionamentos. Sabe, é tudo mais fácil quando se trata de um garoto e uma garota namorando. Hyeju e eu vivemos como duas fugitivas, sempre escondendo tudo de todos. Eu não falo muito dos meus pais, mas acho que eles não teriam problemas sobre esse relacionamento. Não sei muito bem qual seria a reação, mas com certeza seria melhor que a dos pais de Hyeju. Ela é apenas um ano mais nova que eu, faz faculdade mas não trabalha, isso já os dá liberdade de privarem-na de muitas coisas, incluindo um namoro. Eles odiariam saber que ela está namorando pois acreditam que isso desviaria o seu foco da faculdade de enfermagem, imagina se soubessem que é com uma garota?!

Até mesmo nossas conversas tinham de ser medidas e muito raramente conversávamos por vídeo-chamada porque ou os pais dela estavam em casa ou Minho e Haeyoon não me davam a famosa privacidade. Adorava os dias em que conversávamos por foto, ela sempre brincava sobre seus lábios de triângulo e eu sentia-me cada vez pior por não estar inteiramente ao seu lado para vê-los mais de perto.

No entanto, estava sendo diferente naquele dia. A Coréia do Sul tem tradições em todos os dias 14 do ano, pelo pouco que ouvi de Haeyoon e do que pesquisei na internet. Era dia do diário e Haeyoon havia saído para comprar um para dar de presente ao seu namorado. Minho tinha acabado de sair de um relacionamento e fingia que aquele dia não existia, por fim, tinha Sooyoung, que eu realmente não sei droga nenhuma dessa garota e não faço ideia se ela chegou a comprar pelo menos uma folha de papel para quem ela ama, se é que está dentro de um namoro.

A casa estava vazia e eu tive a chance de ver o rosto de Hyeju pela tela de meu celular. Ela sorria sonolenta e mostrava o seu café da manhã para mim, falando coisas aleatórias que eu não entendi mas fingi para não desapontá-la. Para mim, bastava vê-la, não precisava compreender as suas falas. 

Quer me dizer por qual motivo está assim?! — ela bocejou após falar.

— Hoje é dia do diário... Gostaria de ter te comprado um para que pudéssemos, sei lá, trocá-los como presentes...

Estou com um pouco de dinheiro, meus pais me liberaram uma grana maior por conta de um trabalho da faculdade e sobrou uma quantidade considerável. Por que não fazemos assim, cada uma compra um e escrevemos tudo o que for necessário?! Daí, quando nos encontrarmos, os trocamos para que possamos ler o que uma escreveu da outra, que tal?!

Me parece uma proposta irrecusável — joguei-me no sofá, admirando as enormes bochechas de Hyeju inflando enquanto ela mastigava o pão. — Quando acha que poderemos nos encontrar?!

Espero que em breve. Por aqui, as coisas estão complicadas. Eu quero me mudar de uma vez mas não tenho tanta condição porque minha mesada não é tão alto assim, estou colocando currículo e quero conseguir um emprego logo.

Por que as coisas têm de ser tão complicadas para nós?!

Ei, ei! Isso não é verdade. Tudo vai ficar melhor assim que estivermos juntas. Não precisa choramingar.

— Espero. Poderemos dividir um pequeno apartamento, sabe?! Tem umas quitinetes em bairros mais baratos de Gangnam, acho que conseguiríamos dividir um aluguel barato...

Pensei que gostasse de morar com seus amigos.

Haeyoon fala o dia inteiro do macho, Minho é inconveniente e Sooyoung nem olha na minha cara. Aqui é bem solitário. Eles são mais velhos, mais experientes, têm suas preocupações e vidas particulares. Não me sinto à vontade para contar certas coisas de minha vida para eles, mas com certeza me parecem mais confiáveis do que as garotas da faculdade.

Alguém sabe sobre... Nós?! — ela falou um pouco mais baixo, por medo de alguém ouvir.

— Não. Eu não confio em ninguém e tenho medo das reações. Depois de todas as merdas que já ouvi, manter isso apenas entre nós me parece mais tranquilo. Às vezes, gostaria de contar sobre para eles nas reuniões que fazemos todo sábado. Eles contam tudo enquanto bebemos soju e eu sempre falo as bobagens da faculdade ou do trabalho. Poderia ser tudo mais fácil.

Poderia ser tudo mais fácil se eu fosse um homem.

Eu não estava encarando Hyeju mas quando a ouvi pronunciar aquilo, olhei diretamente nos olhos dela projetados na tela do celular. Não era a minha intenção tê-la feito ficar desapontada.

— Não, não foi isso que eu quis dizer. Estou falando sobre eu ser uma covarde mesmo. Eu amo você e queria não me importar tanto com as opiniões alheias. Eu só tenho medo.

— Acha que também não tenho?!

— Eu só quero que isso tudo acabe, que você venha morar aqui e que eu saia desse apartamento.

— Eu também, mas até lá, teremos de viver assim. Vamos mudar de assunto?! Isso está me depreciando — afirmei com a cabeça. — E então, a que horas você vai comprar o diário?! Eu quero ir no mesmo horário.

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