prólogo

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Ser uma garota lésbica em um grupo cheio de amigas heterossexuais costumava ser um empecilho para mim em diversos aspectos. A minha sorte era que o meu ciclo era formado por pessoas boas, que eu me sentia à vontade, só que não tanto quanto deveria.

Essa questão se deve ao fato de eu namorar mas não querer contar para elas sobre isso. Eu a amava, isso era um fato, mas não sabia qual seria a reação delas sobre isso. Na minha cabeça, era muito cômodo as falas sobre "você pode amar quem você quiser", "não tem problema se for uma garota", "ame sem barreiras", "no final, o amor sempre vence".

Eu não sabia qual seria a reação delas se eu falasse sobre Hyeju. Fariam aquelas caras de desconforto e fingiriam normalidade para não nos constranger. Por aqui, é sempre assim e eu entendo que não é algo comum pela nossa cultura. Minhas amigas sempre se diziam evoluídas mas me lembro bem de quando elas descobriram sobre a minha sexualidade. Eram sempre as mesmas frases de "nada contra, só não se apaixone por mim!". Acho que também falamos muito pouco sobre a heterossexualidade frágil de mulheres.

Antes de viver sozinha em uma cidade grande e cuidar da minha própria vida, eu achava que tinha boas amigas, mas não foi bem isso que aconteceu no ensino médio, quando elas me viram beijando Choi Yerim do segundo ano. Elas se afastaram como se eu tivesse um vírus e até a própria Yerim preferiu não me encontrar mais comigo; respeitem a sua vontade pois não queria complicá-la com seus pais extremamente religiosos. Acho que consegui me acostumar com a falta de suporte e entendi que se eu quisesse ser feliz, precisaria me acalentar e ser a minha própria fortaleza.

Estava voltando para o apartamento que dividia com três pessoas: Ha Sooyoung, Lee Minho e Park Haeyoon. Minho tentava me enturmar com as demais, mas ele era muito folgado; a Haeyoon tinha diversos problemas com o namorado e costumava chorar durante toda a noite, mas no dia seguinte, sorria como ninguém; e por fim, tinha a Sooyoung, que vivia de mau humor e mal me olhava.

Voltar para o apartamento e me trancar no quarto depois de responder todo o interrogatório de Minho me parecia ser a melhor atividade de todas, principalmente por ter a paz em passar horas e horas conversando com Hyeju. Era como um ritual, o escutava para que me deixasse em paz. A república que fizemos com esse apartamento me dava nos nervos mas eu nunca encontraria outro lugar com aluguel tão barato em Gangnam. Não era tão barato sustentar-se em Seul, ainda mais no emprego mixuruca que eu havia conseguido em um café. Apesar de pagar pouco, me ajudava com o aluguel, os materiais da faculdade e poucos investimentos que eu gostava de ter durante o mês.

Assim que cheguei em casa, encontrei Sooyoung sentada no sofá mascando uma goma. Ela me olhou de cima a baixo e revirou os olhos. Minho me alertou que era o jeito dela mesmo e até com ele e Haeyoon ela agia assim, então fui obrigada a me acostumar, só era muito incômodo o modo como ela sempre parecia me odiar mais mesmo sem eu ter feito absolutamente nada contra ela.

— Minho está?! — perguntei ao tirar os sapatos e calçar minhas surippas para entrar em casa. — Ele me pediu para comprar umas garrafas de soju para sábado e...

— Eu não perguntei — me calei de imediato. — Minho só volta à noite.

— Tudo bem, obrigada.

— Chaewon! — Haeyoon saiu de seu quarto entre tropeços, abraçando-me como se eu tivesse passado um ano fora.

— Qual o motivo da alegria?!

— Estamos perto do dia do diário!!

— E para o que serve?!

— Como assim, Chaewon?! Os dias 14 no calendário coreano são os mais importantes para quem namora, flerta ou algo assim. Você não namora?!

— N-não — menti.

— Ah, tudo bem, mas deixe-me explicar. Todo dia 14 de cada mês do ano é uma data comemorativa. Janeiro, dia do diário, fevereiro, dia de São Valentim em que nós, mulheres, damos chocolates artesanais aos nossos namorados. Março, dia branco, onde os nossos namorados retribuem. Você não gostaria de ter um namorado?!

Namorado não.

— Tanto faz.

— Tudo bem, deixe-me continuar, em ab...

Não sei o curso de Haeyoon na faculdade mas me preocupa ela ter tanto tempo livre. Digo, o financiador do apartamento é o pai dela, a família dela tem uma boa renda e ela aparenta ser só mais uma riquinha que deu uma de rebelde e quis viver sozinha para se sentir adulta. Haeyoon vai herdar a empresa de seu pai e leva a faculdade como passatempo, apenas para não ficar o dia inteiro em casa sem nada a fazer. Vivemos em um acordo em que nossas obrigações são pagar o aluguel em dia, esse que a Haeyoon repassa para o seu pai. É interesse vê-la retirar uma quantia de sua mesada para pagar o aluguel como se fosse uma renda retirada de trabalho pesado. 

— Haeyoon, eu estou realmente cansada hoje. Pode me mandar esse calendário amoroso por mensagem?!

— Uh, claro! — ela pareceu empolgada em ter uma boa ocupação.

Deixei as garrafas em cima da mesa da cozinha e fui direto para o meu quarto, jogando-me na cama para ter o menor do descanso e o maior do relaxamento: conversar com a minha namorada.

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