Você talvez não tenha compreendido o porque eu chorei desesperadamente, vou tentar explicar. Eu vivi tempo demais acreditando que tudo isso que eu havia acabado de fazer é pecado. Que uma mulher não deve se maquiar, cortar seus cabelos, usar roupas curtas. Eu tinha certeza que acreditava que tudo isso era bobagem e que eu seguia as regras apenas por estar sob o domínio de minha mãe e meus avôs, mas a verdade me assustou. Eu também estava envolvida com todas essas crenças, muito mais do que eu esperava.
Chorei por ter feito, e depois chorei mais por ter me arrependido, e depois por raiva por ter me arrependido. Entendem? Foi uma montanha russa gigantesca de sentimentos que ninguém merece passar por ela.
Não dava para eu continuar lá chorando. Tinha que voltar e mostrar ao meu pai o estrago que eu tinha feito. Depois que toda essa avalanche de sentimento estranho passou até que razoavelmente bem, percebi como meu cabelo havia ficado horroroso e só um chanel daria jeito no estrago.
E não tive escolha.
— O que foi que você fez, filha? Por que não me pediu pra te levar a um salão? — A voz do meu pai era séria, mas eu podia perceber o quanto ele queria rir de como eu estava.
Eu queria que a terra me engolisse. Agora eu estava sendo notada, todo mundo ria. Estava mesmo uma desgraceira só.
Voltamos para o carro e durante o resto do caminho tive uma conversa com meu pai que nunca, jamais, esquecerei.
Vou contar a vocês parte dela.
— Pai, me desculpe por isso. Eu não aguentava mais olhar para o espelho e ver quem eu era. Preciso dessa mudança, mas não sei lidar com ela. Me sinto errada. Suja. Pecadora. — As lágrimas queriam voltar em meus olhos e eu tive que me esforçar muito para deixá-las longe de mim.
— Filha, fica em paz. Eu entendo exatamente tudo o que você está passando. Eu também passei por isso.
— Como foi pro senhor passar a ser o que é hoje?
— Eu nasci em berço religioso. Meus pais como você sabe, foram sempre turrões. Acreditavam em tudo o que os líderes religiosos pregavam, e eu não os culpo por isso. Isso era tudo o que eles conseguiam ser, mas eu nunca fui como eles.
Eu conseguia ver o quanto esse assunto mexia ainda com meu velho.
— Pai, não precisa falar se isso for muito desconfortável. Eu vou conseguir ficar bem. Tenho certeza.
— Eu sei que vai, mas acho que é legal você saber da minha história.
Eu me ajeitei no banco do carro e agora estava mais que curiosa.
— Manda bala. Conte-me tudo.
— Quando eu tinha mais ou menos dez anos eu percebi que eu me sentia atraído por homens, mas isso foi muito esquisito. Eu era apenas uma criança, e me obriguei a tirar isso da minha cabeça. Consegui por um tempo. Aos doze anos eu me batizei na igreja e comecei a fazer parte do grupo dos jovens. Eu adorava cantar com eles. Era uma coisa muito boa, sabe, eu me sentia adulto. Pronto para qualquer coisa. Então dois anos depois eu comecei a namorar com a sua mãe que tinha quatorze anos igual eu. Ela foi o meu primeiro amor. Ficamos juntos, com um namoro que não passava de beijinhos e mão dada até os dezesseis anos, quando eu comecei a compreender exatamente tudo, ou quase tudo sobre minha sexualidade. Eu amava a sua mãe, mas me apaixonei por um garoto na escola. Eu não sabia o que fazer e sentia que ia pro inferno só por pensar nele mais que uma vez por dia.
— Nossa pai, que difícil. E o senhor chegou a ficar com esse garoto alguma vez?
— No final do ensino médio. Fomos todos a uma festa, a qual eu fui totalmente escondido de seus avôs, e acabei beijando ele, ou ele me beijou, que diferença faz, não é mesmo? Então, depois disso eu percebi que era totalmente diferente, mas completamente igual o que eu sentia pelos dois. Pelo garoto e por sua mãe;
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Liberdade Divergente.
SpiritualDaniela acaba de completar dezoito anos e vai iniciar seu primeiro semestre na universidade. Isso seria completamente maravilhoso se não existisse todo o resto de sua vida. Nunca antes beijada, com uma insegurança sem fim, uma m...