Quando eles entraram em casa, foi muito estranho. Eu tive a certeza que haviam centenas de feridas mal curadas entre eles e o quanto tudo isso os fazia mal. Meu pai mal conseguia encarar meu avô e minha mãe mal podia olhar para os lados. A tenção era tamanha que se alguém tocasse no outro seria muito possível dar aqueles choquinhos.
Fiquei chateada com tudo aquilo, mas vi que outra vez estava em minhas mãos fazer com que tudo acabasse bem. Abracei meu pai afetuosamente, e com meu padrasto fiz o mesmo. Minha mãe seguiu minha ação e os cumprimentou com um aperto de mão, enquanto sorria cordialmente.
– Fiquem a vontade, logo o jantar será servido. — Ela apontou para o sofá e eles entenderam que ela os convidava a sentar.
Ambos sentaram. Achei engraçado/estranho que cada um sentou em uma das pontas do sofá. Eu percebendo o quanto eles estavam desconfortáveis sentei no meio e comecei a conversar.
— O que você está achando daqui Augusto?
— É uma cidade encantadora. Com muitas árvores e as pessoas são bem educadas. Gostei muito e gostaria de voltar mais vezes. O ar do interior é fantástico.
— Eu não gostava muito daqui, mas agora isso mudou. Estou até com dó de ter que voltar.
Meu avô que estava sentado em uma poltrona sozinho, bem na minha frente, sorriu com a minha afirmação.
— Acho que não quer ir embora por outros motivos... — Ainda sorrindo me deu uma piscadela.
Ele tinha razão, além de não querer, agora, sair de perto deles, quando eu voltasse eu teria que lidar com meu namorado, ou ex, traidor...
Senti a onda de tristeza voltando, mas a expulsei imediatamente. Eu tinha muitas coisas para me preocupar naquele momento, não poderia simplesmente perder o foco.
— Se me dão licença, vou ver se a minha mãe precisa de ajuda.
— Fique a vontade filha. — Meu pai me liberou fazendo carinho em minha perna. Sua mão estava suando, mais uma prova de que ele estava muito nervoso com esse reencontro. Talvez até arrependido de aceitar.
Fiquei pensando que não deveria deixá-los sozinhos com meu avô, mas tudo o que estava acontecendo estava me deixando em crise de ansiedade...
Minha mãe já tinha terminado todo o serviço e inclusive havia posto a comida na mesa, mas estava sentada em uma das cadeiras olhando para o nada perdida em seus próprios pensamentos.
E agora o que eu deveria fazer? Como eu poderia ajudá-la nessa situação que talvez eu a tenha metido...
Fiquei congelada entre a porta, atrás de mim escutava meu avô conversando com meus pais e em minha frente minha mãe estava tão congelada quanto eu.
Enquanto tentava descobrir o que fazer, me peguei prestando atenção no que meu pai falava.
— Acho que lhe devo desculpas. Eu me sinto um ingrato por ter abandonado a Flávia depois de tudo o que o senhor fez por nós. Todo o apoio que nos deu e todo o resto que o senhor sabe que fez para que pudéssemos dar um futuro melhor à Daniela.
— Não precisa falar isso, Jonas. Eu sei que se sente assim, e também não é necessário. O que já foi é parte do passado e o que realmente importa é que estamos todos bem.
Meu avô me surpreendia cada vez mais... Ele deu uma pausa em sua fala, mas logo percebeu que meu pai não iria falar mais nada, sendo assim creio que decidiu continuar com o assunto anterior, deduzi isso porque em seguida ele prosseguiu dizendo:
— Eu não nego que por muito tempo eu senti raiva de você. Não te compreendia, queria que se tornasse um homem de verdade e assumisse toda a responsabilidade que um pai de família precisa ter. Queria te encontrar e dizer muitas das minhas verdades. Demorei quase uma vida para perceber que o que você fez foi uma atitude de um homem de verdade. Você seguiu seu coração. Foi viver o seu amor. Isso é o que realmente vale à pena. Quando chegamos em uma idade avançada como é meu caso, estamos continuamente nos perguntando o que é que fizemos de nossa vida e acredite , atitudes de amor são as que mais nos recompensam...
Eu tive um grande amor, antes de conhecer a minha mulher, eu amei aquela outra senhora com todo o meu coração, mas tínhamos quinze anos de diferença, e acho que ela não quis assumir para a família. Naquele tempo era tudo muito diferente e as pessoas só faziam aquilo que convinha a todos, menos a elas.
Me lembro que fique devastado quando ela se separou de mim, queria morrer. Eu me achava muito homem e tinha certeza que eu poderia sustentar ela, mas ela não achava isso. O pior dia da minha vida foi quando eu descobri que ela já tinha um pretendente e que ele era um fazendeiro podre de rico e viúvo. Ali eu acreditei que eu não tinha mesmo chances. Depois vi que ele a tratava bem e que de fato havia amor entre eles. Sabe como eu entendi ela, quando eu fiz a mesma coisa com uma outra mulher. Eu não tive coragem de viver aquele amor só porque ela já tinha um filho. Hoje eu me pergunto que culpa tinha ela se o relacionamento anterior não tinha dado certo? Ela amava seu filho e isso era o que tinha que importar.
O que eu quero dizer com tudo isso é que você foi muito corajoso! Enfrentou coisas e pessoas que eu jamais teria coragem de enfrentar por nenhum amor no mundo. Então eu te respeito e sinto um orgulho tremendo em saber que o pai da minha neta pode oferecer a ela um exemplo de coragem sem igual.
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Liberdade Divergente.
SpiritualDaniela acaba de completar dezoito anos e vai iniciar seu primeiro semestre na universidade. Isso seria completamente maravilhoso se não existisse todo o resto de sua vida. Nunca antes beijada, com uma insegurança sem fim, uma m...