VI - Nova fantasia de homem ocioso

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— Está a sentir-se mal? — assustou-se Veltchanínov. — Mando parar o coche, e que lhe tragam água...

Lisa levantou bruscamente os olhos, ardentes de censura.

— Para onde está a levar-me? — disse num tom áspero, com a voz entrecortada.
— Para uma casa maravilhosa, Lisa. Esta família vive agora numa linda casa de campo, há lá muitas crianças, vão gostar muito de si, são muito boas... Não se zangue comigo, Lisa, só quero o seu bem...

Se algum dos seus amigos pudesse vê-lo neste momento, decerto o acharia estranho.

— Como é que... como é que... que maus são todos! — disse Lisa, ofegando e com lágrimas oprimidas a cintilarem nos seus lindos olhos enraivecidos.
— Lisa, eu...
— São maus, maus, maus! — a miúda torcia as mãos. Veltchanínov sentia-se completamente perdido.
— Lisa, querida, se soubesse a que desespero está a levar-me!
— É verdade que ele vem amanhã? É verdade? — perguntou num tom autoritário.
— É verdade, é! Eu próprio o trago, pego nele e trago-o.
— Ele engana — sussurrou Lisa baixando os olhos.
— Não gosta de si, Lisa?
— Não, não gosta.
— Tratou-a mal? Foi?

Lisa olhou para ele sombriamente e não respondeu. Virou-lhe a cara e ficou assim, cabisbaixa. Veltchanínov começou a tentar convencê-la. Falava com ardor, estava febril. Lisa ouvia-o com desconfiança, hostil, mas ouvia-o. Veltchanínov ficou contentíssimo por ela lhe prestar atenção; começou, até, a explicar-lhe como são as pessoas que bebem. Dizia que também gostava dela e que lhe ia vigiar o pai. Lisa acabou por erguer os olhos e, perscrutadora, olhou para ele.

Veltchanínov começou a falar-lhe da mãe, que a conhecera, e viu que as suas histórias a atraíam. A pouco e pouco, a miúda começou a responder-lhe às perguntas, mas com cautela, concisa, ainda teimosa. Às perguntas principais nada respondeu: calava-se teimosamente em tudo o que dizia respeito às suas relações antigas com o pai. Veltchanínov falava com ela e pegava-lhe na mãozinha, como havia pouco, e não lha largava; também a menina a não retirava. Nem sempre Lisa se calava: deixou escapar nas suas respostas vagas que gostava mais do pai do que da mãe, porque, dantes, o pai sempre gostara mais dela e a mãezinha menos; mas que, quando a mãezinha estava a morrer, a beijou muito e chorou quando todos saíram do quarto e elas ficaram sozinhas... e que agora gostava mais da mãe do que de toda a gente do mundo, de toda a gente, e que todas as noites gostava mais dela do que de todos. A garota, de fato, era muito orgulhosa: quando percebia que dera com a língua nos dentes, voltava a fechar-se e a calar-se, olhou até com ódio para Veltchanínov quando este a fez dizer o que ela não queria. No fim da viagem, quase lhe desaparecera a histeria, mas ficou muito pensativa, com um olhar selvagem, sombria, com uma obstinação empedernida.

Quanto ao levarem-na para uma casa estranha, que nunca vira, isso, de momento, embaraçava-a pouco. Mas era claro para Veltchanínov que havia outra coisa que a atormentava: tinha vergonha dele, tinha vergonha por o pai a ter deixado ir com ele com tanta facilidade, como se a tivesse atirado para os seus braços.

"Está doente — pensava Veltchanínov —, talvez seriamente. Foi mortificada... Oh, que animal bêbado e infame aquele! Agora conheço-o bem." Apressava o cocheiro, pois depositava grandes esperanças na casa de campo, no ar puro, no jardim, nas crianças, na vida nova, desconhecida para ela, e depois... Ora, do que viesse depois não duvidava minimamente, as esperanças eram plenas e claras. Só uma coisa sabia: nunca na vida experimentara estas sensações e guardaria isso para o resto da vida! "Aqui está o objetivo, a vida!"—pensava, entusiasmado.

Cintilavam-lhe na cabeça ideias e mais ideias, mas não se detinha nelas, evitava os pormenores: sem pormenores, tudo se tornava claro, inquebrantável. Já se lhe formara na cabeça, espontaneamente, o plano principal: "Podemos influenciar esse canalha, conjugando forças, para que deixe Lisa em Petersburgo, em casa dos Pogoréltsev, pelo menos temporariamente, a princípio, e para que parta sozinho; então, Lisa ficará comigo, só isso, mais nada. E... e, claro, é isso que o próprio Trussótski quer; de outro modo, por que a teria torturado?" Enfim, chegaram. A casa de campo dos Pogoréltsev era realmente um lugarzinho encantador. Quem primeiro saiu ao seu encontro foi uma chusma barulhenta de crianças que se amontoou no patamar da soleira da casa. Veltchanínov desde havia muito que não vinha aqui, a alegria das crianças era tempestuosa: gostavam dele.

O Eterno MaridoOnde histórias criam vida. Descubra agora