XVI - Análise

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Apoderou-se dele um sentimento de enorme alegria: acabara-se tudo, acontecera o desfecho, abandonara-o a angústia terrível, sentia-se desanuviado.

Assim lhe parecia. Durara cinco semanas, aquela angústia. Levantava a mão, olhava para a toalha ensopada de sangue e murmurava: "Agora sim, acabou-se tudo definitivamente!" Em toda a manhã, pela primeira vez nas últimas três semanas, quase não pensou em Lisa: como se o sangue da sua mão retalhada pudesse ter "ajustado as contas" também com essa angústia.

Tinha agora a consciência nítida de que se salvara de um perigo terrível. "São essas pessoas — pensava —, são precisamente essas pessoas, que um minuto antes ainda não sabem se vão degolar ou não, que, ao pegarem na faca com as mãos trementes e ao sentirem os primeiros salpicos de sangue quente nos dedos, não só
degolam como decapitam "redonda" a cabeça, como se exprimem os forçados. É esta a verdade."

Não aguentava ficar em casa e saiu para a rua, com a convicção de que era preciso fazer imediatamente alguma coisa ou de que alguma coisa lhe ia acontecer espontaneamente. Andava pelas ruas, à espera. Apetecia-lhe muito encontrar-se com alguém, meter conversa nem que fosse com um desconhecido, e foi isso que o
levou, finalmente, a pensar num médico e que era necessário pôr uma ligadura a sério na mão.

O doutor, um antigo conhecido seu, depois de examinar a ferida, perguntou com curiosidade: "Como aconteceu isso?" Veltchanínov esquivava-se com brincadeiras, ria à gargalhada e por pouco não lhe contou tudo... mas conteve-se. O doutor achou necessário medir-lhe o pulso e, quando soube do ataque da noite anterior, convenceu-o a tomar imediatamente um calmante que tinha ali à mão. Quanto ao corte, tranquilizou-o: "Não pode haver consequências muito graves." Veltchanínov riu-se e, por sua vez, assegurou-lhe que, para já, as consequências eram excelentes. O desejo irreprimível de contar tudo voltou, nesse dia, a apossar-se dele mais duas vezes ainda: uma delas, a um perfeito desconhecido com quem travou conversa numa pastelaria. Antes, detestava travar conversa com desconhecidos nos lugares públicos.

Entrava nas lojas, comprou um jornal, passou por casa do seu alfaiate e encomendou um fato. A ideia de visitar os Pogoréltsev continuava a ser-lhe desagradável e nem queria pensar neles; também não podia ir agora à casa de campo: como se continuasse sempre à espera de alguma coisa aqui, na cidade.

Almoçou com prazer, conversou com o criado de mesa e com um senhor que comia ao lado dele, bebeu meia garrafa de vinho. Nem sequer pensava na possibilidade de repetição do ataque da sua doença: tinha a certeza de que a doença desaparecera quando ele, depois de ter adormecido prostrado de fraqueza, saltara da cama hora e meia depois e atirara com uma força incrível o seu atacante para o chão. No fim da tarde, porém, começou a ter tonturas e pareceu-lhe que alguma coisa de semelhante ao delírio que tivera a noite passada durante o sono estava de novo a apossar-se dele por instantes. Voltou para casa já ao crepúsculo e, ao entrar, a sala quase o assustou. De fato, o apartamento parecia-lhe agora terrível e assustador. Andou às voltas pelas salas, passou pela cozinha, onde normalmente nunca entrava. "Aqui estiveram ontem a aquecer os pratos" — pensou.

Fechou as portas à chave e acendeu as velas mais cedo do que o costume. Quando fechava as portas, lembrou-se de que, meia hora atrás, ao passar pelo cubículo do guarda, chamara Mavra e perguntara-lhe: "Pável Pávlovitch não apareceu, hoje?" — como se fosse possível Pável Pávlovitch aparecer!

Depois de trancar bem as portas, abriu a escrivaninha, tirou o estojo de barba e abriu a navalha "de ontem". Queria vê-la. No cabo branco de marfim tinham ficado vestígios minúsculos de sangue. Voltou a guardar a navalha na gaveta e fechou-a à chave. Tinha sono, sentia que precisava de se deitar imediatamente, "senão amanhã não teria forças para nada". O dia seguinte afigurava-se-lhe, por qualquer razão desconhecida, como um dia fatal e "decisivo". Mas os mesmos pensamentos que não o largaram na rua, durante todo o dia, remexiam e tamborilavam na sua cabeça doente, incansável e implacavelmente, e ele continuava a pensar, a pensar, a pensar, e demorou muito a adormecer...

O Eterno MaridoOnde histórias criam vida. Descubra agora