XI - Pável Pávlovitch casa-se

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       Ao responder àquele "boa-noite", Veltchanínov espantou-se consigo mesmo.
       Pareceu-lhe muitíssimo estranho que encarasse agora o homem sem raiva e que, nos seus sentimentos para com ele, houvesse alguma coisa diferente e, até, um impulso para qualquer coisa nova.

— Que noite agradável — disse Pável Pávlovitch, espreitando-lhe para os olhos.
— Ainda não se foi embora? — disse Veltchanínov, como se não estivesse a perguntar, mas a refletir; continuava a andar.
— Demorei, sim, mas obtive o cargo, e com promoção. Depois de amanhã parto, com certeza.
— Obteve o cargo? — desta vez Veltchanínov fez mesmo uma pergunta.
— Por que não? — Pável Pávlovitch torceu de repente a cara.
— Perguntei por perguntar... — replicou Veltchanínov e, carregando o sobrolho, olhou de soslaio para Pável Pávlovitch. Para seu espanto, o fato, o chapéu com a fita de luto e todo o aspecto geral de Trussótski estavam incomparavelmente mais decentes do que duas semanas atrás. "O que estaria a fazer naquela taberna?" — pensou.
— Queria comunicar-lhe, Aleksei Ivánovitch, outra alegria minha — recomeçou Pável Pávlovitch.
— Alegria?
— Vou casar-me.
— Como?
— Depois da amargura vem a alegria, é sempre assim na vida. Aleksei Ivánovitch, gostaria muito de... mas... não sei, talvez o senhor tenha agora muita pressa, e está com um aspecto...
— Sim, tenho pressa e... estou adoentado.

Apetecia-lhe ver-se livre do outro: a disponibilidade para sentimentos novos desaparecera-lhe.

— Mas eu gostaria...

Pável Pávlovitch não chegou a dizer do que gostaria. Veltchanínov não o encorajara.

— Nesse caso, fica para próxima, se nos encontrarmos, claro...
— Sim, sim, para a próxima — murmurou rapidamente Veltchanínov, sem olhar para ele nem parar.

Durante mais um minuto, calados, continuaram a andar lado a lado.

— Sendo assim, até breve — disse por fim Pável Pávlovitch.
— Até breve; desejo-lhe...

Veltchanínov voltou para casa outra vez perturbado. Encarar "aquele homem" estava acima das suas forças. Ao deitar-se, voltou a pensar: "Por que estaria ele perto do cemitério?"
No dia seguinte, de manhã, decidiu-se finalmente a visitar os Pogoréltsev, mas decidiu-se a contragosto: eram para ele penosas, agora, as condolências, fossem elas dos Pogoréltsev. Mas estes preocupavam-se tanto com ele que era indispensável ir vê-los. Pareceu-lhe de repente que iria sentir-se muito envergonhado neste primeiro reencontro com eles. "Vou ou não vou?" — pensava. Acabava o pequeno-almoço à pressa quando, para seu grande espanto, entrou Pável Pávlovitch.
Apesar de se ter encontrado com ele na véspera, Veltchanínov mal podia imaginar que o homem pudesse aparecer alguma vez mais em sua casa, e ficou tão perplexo que olhava para ele sem saber o que dizer. Mas Pável Pávlovitch desembaraçou-se sozinho, cumprimentou e sentou-se na mesma cadeira em que se sentara três semanas antes, na sua última visita. Desenhou-se vivamente na memória de Veltchanínov essa visita. Olhava para o visitante com inquietação e repugnância.

— Surpreendido? — começou Pável Pávlovitch, adivinhando o significado daquele seu olhar.

Em geral, aparentava muito mais à vontade, mas na verdade adivinhava-se-lhe uma timidez ainda maior do que na véspera. O seu aspecto exterior era bastante curioso. O senhor Trussótski estava vestido de modo não só muito conveniente, mas até aperaltado: casaco leve de Verão, calças claras e justas, colete claro; luvas, monóculo de ouro (para quê?), camisa: tudo impecável. Até cheirava a perfume. Em toda a sua figura havia algo de ridículo e, simultaneamente, de estranho e desagradável.

— É claro, Aleksei Ivánovitch — continuou com um trejeito —, que o surpreendo com a minha visita e... pronto, sinto isso. Mas subsiste acima de tudo entre as pessoas, ou deveria subsistir, na minha opinião, algo de superior, não é verdade? Ou seja, acima de quaisquer circunstâncias, ou mesmo conflitos que possam surgir... não é verdade?
— Pável Pávlovitch, diga o que tem a dizer, depressa e sem rodeios — franziu a cara Veltchanínov.
— Em duas palavras — apressou-se Pável Pávlovitch —, vou casar-me e vou agora mesmo a casa da minha noiva. À casa de campo da família. Desejaria que me concedesse a elevada honra, atrevo-me a pedir-lhe, de o apresentar a essa família, e vim aqui para lhe implorar o favor extraordinário — (Pável Pávlovitch inclinou com humildade a cabeça) —, para lhe solicitar o favor de me acompanhar...
— Acompanhá-lo aonde? — Veltchanínov esbugalhou os olhos.
— A casa deles, isto é, à casa de campo deles. Desculpe, falo como se estivesse com as febres, talvez me esteja a exprimir confusamente... mas tenho muito medo que recuse...

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