IX - Fantasma

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Pável Pávlovitch tinha-se instalado confortavelmente. Estava sentado na mesma cadeira da véspera, a fumar, e tinha acabado de encher o quarto e último copo da garrafa. O bule e o copo com um resto de chá estavam também em cima da mesa. A sua cara avermelhada reluzia de afabilidade. Tinha até tirado a sobrecasaca, à Verão, e estava em colete.

- Desculpe, meu fidelíssimo amigo! - gritou ao ver Veltchanínov e precipitando-se a vestir a sobrecasaca. - Tirei-a para gozar ainda mais o agradável momento...

Veltchanínov, ameaçador, aproximou-se dele.

- Não está ainda completamente bêbedo? É possível ainda falar consigo?

Pável Pávlovitch mostrou-se um tanto perplexo.

- Não, não o estou ainda por completo... Bebi à memória do falecido, mas... não estou ainda completo...
- Está então em condições de me compreender?
- Vim cá propositadamente para o compreender.
- Então, começo por lhe dizer diretamente que é um canalha! - gritou-lhe Veltchanínov com a voz entrecortada.
- Se começa assim, como não irá acabar? - protestava Pável Pávlovitch com frouxidão, visivelmente acobardado, mas Veltchanínov continuava a gritar sem lhe dar ouvidos: - A sua filha está doente, está a morrer! O senhor por acaso não a abandonou?
- Está mesmo a morrer?
- Está doente, muito doente, tem uma doença extremamente perigosa!
- Às tantas são só uns ataques...
- Pare de dizer disparates! Está gra-ve-men-te doente! Devia ir lá, ao menos para...
- Para agradecer, para agradecer a hospitalidade! Sei muito bem, compreendo bem de mais! Aleksei Ivánovitch, meu querido, minha perfeição - agarrava-se com ambas as mãos à mão de Veltchanínov e, com sentimentalismo de bêbedo, quase em lágrimas, como que suplicava perdão, aos gritos: - Aleksei Ivánovitch, não grite, não grite! Que eu morra, que caia agora mesmo ao Neva, bêbado como estou: o que vai isso mudar, no verdadeiro significado das coisas? Além disso, arranjaremos sempre tempo de ir a casa do senhor Pogoréltsev...

Veltchanínov caiu em si e conteve-se um pouco.

- Está bêbado, por isso não compreendo muito bem qual o sentido do que está a dizer - observou severamente. - Estou sempre pronto a esclarecer as coisas consigo, gostaria até de fazê-lo o mais depressa possível... Ia precisamente para... Mas, em primeiro lugar, fique sabendo que resolvi tomar medidas: hoje tem de dormir em minha casa! Amanhã de manhã levo-o lá, vamos juntos. Não o largo! - voltou a falar aos berros. - Ato-o e levo-o nos braços!... É cômodo para si dormir neste divã? - apontou, ofegante, para o divã largo e macio em frente do outro, em que ele próprio dormia, junto à parede.
- Por amor de Deus, durmo em qualquer cantinho...
- Em qualquer cantinho não, neste divã. Tome, aqui tem o lençol, o cobertor, a almofada. - (Veltchanínov tirava tudo isso do armário e, com brusquidão, atirava-o a Pável Pávlovitch que, submisso, estendia o braço). - Faça imediatamente a cama, faça a cama!

Pável Pávlovitch, com os braços carregados de roupa, estava especado no meio da sala, indeciso, com um sorriso bêbado, prolongado, na cara bêbada; porém, com esta segunda ordem ameaçadora gritada por Veltchanínov, entrou de repente e muito depressa em grande azáfama, afastou a mesa e, resfolegando, começou a estender e a pôr o lençol. Veltchanínov aproximou-se para o ajudar, satisfeito, de certo modo, com a submissão e o susto do seu convidado.

- Acabe de beber o seu copo e deite-se - deu mais uma ordem; sentia que não podia deixar de mandar no outro. - Foi o senhor quem mandou buscar essa bebida?
- A bebida, sim, fui... É que, Aleksei Ivánovitch, eu sabia que o senhor não voltaria a fazê-lo...
- Ainda bem que sabia, mas é bom que saiba ainda outra coisa. Digo-lhe, mais uma vez, que resolvi tomar medidas: não vou suportar mais as suas palhaçadas, não vou suportar mais os seus beijos de bêbado!
- Eu próprio, Aleksei Ivánovitch, compreendo muito bem que isso só seria possível uma única vez - soltou uma risada Pável Pávlovitch.

O Eterno MaridoOnde histórias criam vida. Descubra agora