Catarina

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Mergulhar de cabeça em um vulcão não estava na minha lista de tarefas para aquele dia.

Eu me encontrava a mil e quinhentos metros de altura quando avistei pela primeira vez o sul de Atenas. As luzes das cidades adormecidas cintilavam na escuridão que antecedia o amanhecer. A trezentos metros abaixo de mim, uma caldeira de quase um quilômetro de diâmetro bocejava no alto de uma montanha, uma coluna de vapor branco subindo de sua boca escancarada.

A desorientação levou um momento para se dissipar. Minha experiência com viagens nas sombras tinha sido algo sem palavras; o frio na espinha, o vento frio ao meu redor e então estava em um lugar totalmente diferente. Mas agora não tinha tempo para apreciar isso, pois estava suspensa em pleno ar.

A gravidade entrou em ação, e comecei a cair.

"Zayn!" Gritei olhando para ele, tentando entender por que tínhamos parado aqui.

Zayn se sacudia todo a ponto de quase se soltar de mim.

"Pelos deuses!" Ele gritou.

Peguei a mão de Zayn quando o impulso da queda começou a levá-lo para longe. Se nos separássemos naquele momento, estaríamos mortos. Infelizmente isso não mudava o fato de estarmos despencavam a toda velocidade, direto para o vulcão.

"Zayn, nos transporte daqui!"

Os olhos dele estavam desfocados e seu rosto mais pálido que o normal. Seu cabelo negro bagunçado estapeava todo o seu rosto como um corvo surgido do nada no céu.

"Eu... eu não consigo! Não tenho força!"

Tentei pensar com rapidez. Podia aceitar a morte se necessário, mas, se nós morrêssemos agora tudo estaria perdido. Nossa missão teria sido em vão, Afonso morreria e isso eu não podia aceitar.

"Zayn, faça a viagem" ordenei. "Eu empresto minha força a você."

Ele me olhou sem entender, era uma ideia estúpida e poderia não funcionar; mas eu era fica de Atena também.

"Como...?"

"Agora!"

Apertei a mão dele com ainda mais força e logo em seguida senti meu corpo enfraquecer e minha vista ficar turva; Zayn arfou. A cor voltando ao seu rosto. Quando estávamos prestes a alcançar a coluna de vapor que se erguia do vulcão, mergulhamos nas sombras.

O ar ficou gélido. O ruído do vento foi substituído por uma cacofonia de vozes sussurrando em mil línguas, senti como se minhas entranhas fossem apenas uma forma translucida. Então minha visão clareou: meus pés estavam firmes no chão.

O céu a leste tinha começado a clarear. Observei com atenção onde estávamos. Era o alto de uma colina, lá embaixo a água tão azul que parecia ter sido tingida rodeava tudo, o vento com o cheiro da água salgada fazia eu me sentir em casa. Estávamos em uma ilha.

Aquele lugar devia ser muito bonito. Havia uma serra com picos cobertos de florestas que serpenteava pelo meio da ilha. Penhascos de calcário mergulhavam no mar. Pequenas baías formavam praias rochosas e enseadas onde casas de telhados vermelhos e igrejas de estuque branco se aninharam à beira-mar. As encostas eram pontilhadas de papoula, açafrão e cerejeiras silvestres.

"Estamos em Ítaca" Reconheci por fim e olhei para onde estávamos de fato. Ruinas nos cercavam: Alguns muros de pedra, um pátio interno coberto de mato, uma escadaria escavada na rocha e que não levava a lugar nenhum. "Mais especificamente no antigo palácio de Odisseu."

Quase não conseguia acreditar que estava aqui, no verdadeiro palácio de um dos heróis gregos mais conhecidos dos últimos tempos. Mas, afinal, toda aquela missão consistia em um acontecimento extraordinário atrás do outro.

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