Capítulo 7

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Ainda eram quatro horas da madrugada quando a Dona Rosário, mãe de Tonico, chegou no hospital. A mulher de cabelos curtos e castanho, com os mesmos olhos de corça que meu menino tinha, chegou no hospital antes que a luz do sol tocasse o chão. Esbaforida, com os botões do vestido tortos, uma meia de três quartos caída, outra erguida e bochechas vermelhas, ela entrou no quarto às pressas e sem bater na porta, jogando-se sobre a maca aos prantos. Precisemos de meia hora para acalmá-la, antes que eu tivesse a chance de ir para casa.

Xabél não havia me ligado uma única vez, nem uma mísera mensagem, e não seria eu a adornar essa rata suja. Balanço a cabeça, espantando os pensamentos.

Janjão e eu nos deitamos para dormir de conchinha no sofá, experimentando o espaço, nós dois espremidos como sardinhas dentro de uma pequena lata no espaço apertado que a poltrona de três lugares oferecia, agora você me pergunta, por que dormiu no sofá Narciza? E aquela cama King Size, bem no meio do seu quarto que custou muitos meses do seu antigo salário? Pois é meus caros, aparentemente mesmo as camas que demoram meses para se pagar, também podem ser facilmente devoradas por monstros insensíveis e cruéis, eles só precisam de apenas algumas horinhas sozinhos. Janjão sequer tinha remorso nos olhos quando cheguei durante a madrugada, ainda fedendo a hospital, para encontrar o meu apartamento repleto da espuma do colchão, retalhos das cobertas e pedaços felpudos da lã cor de rosa, o espaço todo, desde a lavanderia até a porta de entrada, estavam transformados em uma tosquia de ovelhas. O rancoroso ainda me encarava com um olhar alto de superioridade, como se eu devesse agradecer ao fato de que ele não latiu para os vizinhos reclamarem do barulho.

O encaro de volta, mostrando toda a minha ruindade em retribuição.

Tudo bem que já se faziam algumas semanas que os finais de semanas eram somente nossos, então para um filho ciumento e mimado, teve a sua vingança. Em minha defesa, consegui ficar furiosa com Janjão por incríveis vinte segundos, os vinte segundos mais longos e terríveis de toda a história, até que o grandão resolveu rolar e mostrar a barriga, se esfregando em meus pés e eu já estava completamente vencida.

Dolorida, saí do casulo peludo que formei com junto do cão, caminhando até o balcão para tomar um remédio para dor muscular. Engulo rapidamente a pílula, a seco.

Com o corpo gritando, os músculos finalmente se rendendo a pressão do dia interior, alonguei os olhos em direção ao sofá. Antes, ainda resgatei um travesseiro e uma coberta, em meio aos restos mortais de uma cama.

  Como a boa mãe que sou, puni ele o mandando dormir em sua caminha nunca usada, no canto da sala. Como o bom filho que é, fingiu dormir lá até que me visse pegar no sono, ou o que imaginou ser o meu sono, e só então subiu no sofá para finalmente nos juntarmos.

   Claro que acabei dormindo por apenas alguns minutos, finalizados não pelo cão, mas por meu estomago gritando por atenção, o que nos trouxe até o armário da cozinha. Se não vou dormir direito, ao menos posso me alimentar com algo melhor do que aquilo que me serviram no hospital. Decreto. 

     Janjão demora alguns minutos para surgir em meio as minhas pernas, trôpego e me encarando como se eu fosse uma traidora, e o estivesse abandonado as minguas. Um filho nunca cai longe do pé, no fim das contas.

Olho para cima, decretando que ainda são quatro e vinte e cinco da madrugada. Gemo, tentando evitar que as nove horas terei que estar na empresa, pronta para o Rei Salomão devorar a minha alma.

Volto a encarar Janjão.

— Pessoas que devoram uma cama inteira não deveria ainda ter fome, fora que a sua tigela ainda está cheia de ração. — Exclamo, esticando o braço para pegar o pacote de torradas da terceira prateleira, ao lado do armário de louças.

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