Completou-se mais um aniversário desde o fim da Guerra Civil. Nada de flores ou homenagens. As pessoas saíam às ruas com um pequeno chaveiro luminescente pendurado em suas roupas. Para muitos, um pequeno enfeite, aos demais, um simples gesto em nome da liberdade.
Mas para Khalil Faridah, nenhum dos dois. Ele sequer tinha uma lâmpada decente no contêiner onde morava. No entanto, a escuridão já não o incomodava muito.
E não é que tudo em sua volta estivesse apagado. Acontece que para evitar as pragas dos amontoados de lixo, Khalil optou por soldar apenas uma pequena janela em sua casa-contêiner.
Havia dias insuportáveis em que o jovem se via obrigado a sair dali. As moscas que não lhe davam sossego, eram as mesmas que comiam suas montanhas de lixo ao lado de fora.
Todavia, podia ser pior. Teria que aturar os ratos caso seu contêiner fosse o primeiro de uma pilha de vários outros. Mas graças a um amigo, Khalil podia usufruir da cobertura de ferros velhos.
O posicionamento lhe dava vantagens, como ter uma porta oval soldada no teto. Isso lhe permitia economizar espaço e também receber a rara luz do sol dentro de seu contêiner.
Mas não foi só isso. A exposição da luz durava cerca de uma hora, tempo o bastante para montar algumas armas que pegava sob encomenda dos marginais da cidade.
Enquanto juntava as peças, lá do alto ele aproveitava para olhar quem vinha pelo estreito caminho se assustando com os ratos que saltavam dos lixos.
Algumas vezes engraçado, outras lamentáveis. Mas nem todos se assustavam com tanta facilidade. Khail pôde ver um rosto muito comum se aproximando.
O sujeito era Rick Wallace. Um dos poucos na vila que se divertia enquanto esmagava os ratos. Ele parecia fazer isso sem o menor senso de medo ou repulsa. E assim que se aproximou do contêiner de Khalil, olhou para ele e gritou:
— Ô, moleque! Deixa essas porcarias e desça aqui, tenho algo pra você — disse Rick.
— O que foi, velhote? — perguntou Khalil olhando pra baixo.
Rick fez um gesto discreto indicando dinheiro e pegou seu maço de cigarros do bolso. Os dias insuportáveis de calor fazia com que todos ficassem fora de suas casas. Ter cautela ao falar de grana em público se tornou uma regra para qualquer um que vivesse na zona baixa de reestruturada Hong Kong.
Assim que o jovem desceu, o veterano tornou a falar, dizendo:
— Tenho algo pra você! — repetiu ele.
— Fala logo, velhote. De quem é a porta que vamos chutar? — disse o jovem agitado.
— Escuta, dessa vez vai ser melhor. Tem campainha, se é que me entende — disse o veterano piscando.
Rick tragou seu cigarro até o fim e o disparou para longe com a ponta dos dedos. Toda vez que fazia isso, parecia disputar recordes de lançamento consigo mesmo.
As pessoas eram indiferentes para o rapaz. Nada lhe importava aquilo que elas diziam ou faziam. Mas em relação a seu amigo mais velho, Rick, as coisas eram diferentes.
O cara lhe deu inúmeros motivos para o respeitar. Não que ele fosse um opressor e nem nada do tipo, mas sim alguém com quem você não gostaria de entrar em uma discussão ideológica.
Sempre que em sua companhia, Khalil criava um pouco de coragem para socar os indivíduos que faziam rincha come ele. Muito embora seu aspecto não fosse engrandecedor.
— Droga, velhote! Fala logo o que é — disse o jovem.
— Estação de Kowloon, tem um cara lá precisando da gente — falou o veterano.
VOCÊ ESTÁ LENDO
2098 - O Novo Mundo #Escrita descontinuada#
Bilim KurguKhalil Faridah é um jovem refugiado que vive em um vilarejo pobre de Hong Kong. Sonha em um dia poder voltar à sua terra natal, eis que lhe surge uma oportunidade de comprar uma passagem e finalmente ir embora, mas se lembra que seu amigo, o cara qu...