five

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A semana havia passado rapidamente, os dias nublados prosseguiram e a chuva que nunca ia embora permanecia sem previsão de acabar. Depois daquela noite, acordei sozinha e desde então não tive notícias de Billie.

Encontrava com senhora O'Conell todos os dias de culto e sempre trocávamos algumas palavras, por mais curiosa que estava pra perguntar de Billie não fiz. Seria muita ousadia minha, certo?

- Vênus? -Brandon novamente chamou pelo meu nome me fazendo desviar a atenção de meus pensamentos.
 
Todos do coral me encaravam esperando uma resposta da minha parte, de imediato me levantei ajeitando o vestido rodado preto com gola branca e manga comprida, o tecido se estendia ao longo de minhas coxas chegando até os joelhos.

Ao ficar de pé ao lado dos outros pude ouvir a melodia da música começar, baixa e suave. As vozes começaram e junto a eles iniciei a música encarando a vidraça enorme da igreja onde tinha alguns detalhes dourados que brilhavam.

- Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah...

Todos da igreja cantavam junto, em um único som as vozes se misturavam de forma doce e iam preenchendo todo o local. Meu olhar passou pelas pessoas sentadas ali, muitas conhecidas e outras apenas por ver na cidade.

Meu coração errou a batida e minha boca secou, um rosto conhecido adentrou ao local, poderia reconhecer aquela pele pálida de longe. Se não fosse pelos hematomas roxos proximo aos olhos e da boca.

Meu olhar se prendeu a ela, Billie caminhava para se juntar a sua familia em um dos últimos bancos, ela ainda não tinha me visto mas isso não demorou muito tempo. Seus olhos fixaram nos meus, sua expressão era imperceptível, seus lábios entreabertos pareciam puxar o ar fracamente e maxilar travado. Parecia estar tensa.

A troca de olhares permaneceu até o final da música, quando nos sentamos desviei a atenção agora para minhas mãos pensativa. Meu coração se apertou e uma única dúvida rondava minha cabeça. Onde ela conseguiu aqueles machucados?

E mais uma vez o culto havia terminado em um piscar de olhos, talvez estivesse com a cabeça cheia de coisas e não prestei muita atenção.

Me levantando me despedi de algumas pessoas do coral, um sorriso nos lábios e a cabeça balançando positivamente. Caminhei para a porta de entrada ainda sorrindo de forma caridosa.

- A minha procura?

A voz baixa e rouca de Billie estava próxima ao meu ouvido, podia sentir sua respiração contra o meu pescoço.

Meu corpo se virou e de imediato senti as mãos gélidas dela tocarem minha cintura coberta, agora a encarando de perto vaguei meu olhar sobre os machucados atenta, alguns pareciam ser recentes, já outros estavam com a coloração amarelada. Diria que aqueles tinham uns quatro ou cinco dias.

Ainda sem falar nada me afastei fingindo ajeitar meu vestido para ninguém perceber tal contato feito pelas mãos de Billie e sorri sem graça para a mesma que ainda se mantinha parada me encarando sem expressão alguma. Parecia estar numa batalha interna.

- Vamos queria? -Meus músculos se enrijeceram quando a mão de meu pai contornou meu corpo, o encarei engolindo a seco e assenti voltando meu olhar atento a Billie que agora com um sorriso brincalhão nos lábios parecia se divertir com a cena.

Bochechas quentes, bochechas quentes!

- Vamos, claro! -Tentei parecer normal, o bastante para meu pai não estranhar nada.

Papai apertou a mão de Billie dando um sorriso gentil, encarei os dois por alguns instantes antes de começar a andar para a saida.

- Thomas, podemos conversar? - Fomos parados por Patrick, estava com um olhar sério. Papai assentiu e o guiou até o escritório que havia na parte de trás da igreja.

Respirei fundo seguindo rumo ainda a saida em passos lentos. A noite estava bonita, bem iluminada por conta das estrelas o que quase nunca acontecia nessa cidade.

- Acho que eles vão demorar. -O silêncio foi cortado por Billie que estava parada ao meu lado e mantinha aquele sorriso fraco nos lábios.

Me mantive calada ainda encarando o céu, sabia que se me atrevesse a falar, acabaria perguntando sobre os machucados.

- Vai falar comigo? -Novamente sua voz soou, dessa vez mais baixa e rouca. Parecia estar pensativa ou até mesmo confusa com a minha reação. - Vênus, eu...

- Onde esteve essa semana? -Tomei coragem pela primeira vez para perguntar e virei meu corpo de frente ao dela agora podendo encarar a mesma melhor.

Ela pareceu pensar muito bem antes de falar. Sua expressão mudou totalmente, agora de cenho franzido encarava meus olhos de forma direta como se estivesse procurando uma resposta.

Antes da mesma começar a falar neguei lentamente com a cabeça deixando minhas mãos irem para trás do meu corpo. Ela não precisava me contar, não a faria contar algo que não quisesse.

- Sabe tocar piano certo? -Desviando do assunto ela perguntou erguendo a sobrancelha e em resposta concordei com a cabeça.- Me ajuda em uma melodia? Não está terminada e você pode me ajudar.- Um sorriso nasceu em seus lábios.

- Certeza? Não sei se sou a melhor pessoa pra tocar piano... -Sussurrei vendo o sorriso de Billie ir sumindo aos poucos.- Mas eu adoraria ajudar! -Apressei-me a dizer a vendo voltar a sorrir e concordar com a cabeça. 

A última vez que havia tocado piano tinha sido para minha mãe.

- Nos vemos lá em casa amanhã então? -Se afastou já dando alguns passos até uma moto, na qual nunca havia visto.

- Estarei lá. -Afirmei a vendo subir na moto e por último sorrir pra mim antes de ligar o veículo e acelerar, sumindo dentre as ruas da cidade. - Vinte e sete. -Sussurrei colocando as mãos para frente junto a bíblia que segurava e novamente sorri voltando para dentro da igreja.

No outro dia.

- Preparada? -Pela quinta vez Billie perguntou ajeitando as partituras no piano.

- Já disse que sim, vamos! -Ainda rindo me sentei encarando as teclas por longos segundos e respirei fundo começando a tocar a primeira nota logo em seguida as outras. E então a melodia se iniciou de forma lenta e foi crescendo com todas as outras notas.

Meus dedos escorregavam pelas teclas do piano preto de cauda. Billie sentada ao meu lado ficou me encarando enquanto continuava a tocar cada nota sem piscar os olhos.

Um de seus braços contornaram minha cintura, meu corpo ficou mais próximo do seu e continuando a tocar fechei meus olhos sentindo que ia chorar. Meu coração acelerou e ainda com os dedos nas teclas do piano funguei baixo.

Todas as notas anotadas na partitura haviam sido feitas mas eu continuei. Tudo começou a fluir e minha mente pedia pela música.

Uma batalha interna se iniciou dentro de mim, por um lado tudo veio a tona. A partida da minha mãe, a chances do meu pai ter que ficar sozinho. A final os tratamentos estavam funcionando perfeitamente bem, mas até quando?

- Babe, babe? -Agora percebendo o que havia acontecido abri os olhos. A música havia acabado e Billie me encarava preocupada.

Talvez seria o certo contar a ela, estávamos tão próximas que eu deveria mesmo contar a ela. Mas e se ela se afastar? Como todas as outras pessoas que se afastaram da minha mãe. Eu não quero que ela se afaste ou sinta pena de mim.

Então eu não iria contar, Billie seria mais uma das pessoas pra quem eu teria que mentir e dizer que está tudo bem. E se for mesmo o certo a se fazer, eu farei.

- Desculpa, a música é linda... eu me emocionei! -Disse sentindo minhas bochechas se esquentarem. Podia jurar que havia ficado vermelha.

- Fiz ela pra uma pessoa. -Sussurrou quase não dando para ouvir e sorriu meio torto coçando a nuca com uma das mãos.

Agora parando para pensar, as marcas roxas haviam sumido um pouco. Estavam mais esverdeadas, quase um roxo mais ainda sim mais claras que noite passada.

- Essa pessoa tem muita sorte, de verdade. -Sorri deitando a cabeça sobre seu ombro e fechei os olhos aproveitando o cheiro amadeirado que vinha da mesma.

- Não, eu que tenho sorte. Ela me salvou de mim mesma...

Antes que seja tarde Onde histórias criam vida. Descubra agora