Ten

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Vênus 

Fazia quase três dias que não tinha notícias de Billie, depois que acordei e não a vi no quarto, Alex havia dito que ela teve que resolver alguns problemas e depois disso, não soube de mais nada. Já era segunda e estava no meio da tarde, arrumava os livros com paciência cantarolando uma música qualquer. A senhora Stewart não amanheceu bem, disse a ela para ficar na cama que eu cuidava da biblioteca.

Respirei fundo terminando de colocar os livros na prateleira, a nova coleção de livros estava maravilhosa. Com os lábios entreabertos girei meus calcanhares indo até uma das mesas ali, onde deixei o livro que estava começando a ler. Me sentei na cadeira abrindo o livro na página marcada, as palavras eram lidas com atenção. Como se de alguma forma, mimha mente precisasse preencher algo e seria aquilo.

Sem ao menos perceber meu olhar se fixou na madeira da mesa, minha cabeça deu voltar e por algum motivo fechei os olhos pesando a respiração.

- Me faça sua... - Pedi mais uma vez, implorando por sua atenção.

A sensação das minhas pernas se abrindo por hábito, os gemidos que se atreviam em sair dos meus lábios. O formigamento em meu ventre, a forma como meu corpo estava quente. Eu me lembrava, lembrava de seus toques, sussurros que me causavam arrepios e da forma como seus olhos me encaravam. Céus, eu lembrava! me lembro de querer mais, de querer toca-la, a fazer sentir o mesmo que eu.

Billie... Billie...

- Billie... -Sussurrei apertando os dedos sobre o livro.

- Não, sou eu. Senhora Stewart querida -A voz da mais velha me fez abrir os olhos assustada, a mesma estava parada me encarando confusa.

- Senhora... ah, eu estava... -me calei desviando o olhar corada e neguei soltando um suspiro baixo.

- Acho melhor fecharmos hoje, está cansada. Amanhã terminamos de arrumar aqui. - Senhora Stewart me fez levantar, ela sempre com um sorriso gentil no rosto me acompanhou até a saída.

- Certeza? Posso ficar até mais tarde, a senhora não está bem. - Disse preocupada colocando a bolsa que havia pegado no caminho nas costas.

- Eu sou velha mas não estou morta senhorita Vênus. -Ela colocou a mão sobre a cintura me arrancando um riso e concordei com a cabeça.

- Tudo bem, amanhã no mesmo horário viu? Não esqueça do seu remédio e do seu chá -a lembrei acenando com uma das mãos e ela sorriu pra mim entrando na biblioteca a fechando.

Me virei começando a caminhar encarando meus pés, havia sonhado com ela acordada? Quem faz esse tipo de coisa? Por que ela não sei da minha cabeça?

Suspirei derrotada encarando meus pés, justamente naquela tarde eu não contei meus passos. Estranho.

Horas depois

- querida? - Papai me chamou entrando no quarto, me sentei na cama colocando as mãos ao lado do meu corpo e suspirei. Ele me encarou confuso com certa preocupação e então se aproximou. - Sei que as coisas não estão bem ultimamente, mas precisamos conversar

- Pode falar papai -levantei as mãos para prender meu cabelo num coque no alto da cabeça e o vi se sentar ao meu lado.

- A doutora Jenna me ligou, disse que tem um novo tratamento que está dando resultado -Ele começou, seu olhar era esperançoso.- É uma clínica, uma casa para pessoas com leucemia, estão testando e a doutora Jenna conseguiu uma vaga - Ele me encarou abrindo um sorriso e pegou minha mão cuidadosamente. - É uma nova chance e podemos nos ver todos os feriados, vai poder conhecer pessoas que estão passando por isso e poderá se cuidar  - Ele desviou o olhar e em resposta franzi o cenho.

Viajar?

- Como assim viajar papai? -Perguntei tombando brevemente a cabeça para o lado.

- A clínica fica no Texas, mas não tem problema, eu irei te ver filha. Vamos poder ligar todos os dias - Ele acariciou minha mão dando um sorriso acolhedor.

Deixar a cidade? O deixar sozinho? Deixar Billie?

- Papai... -prendi o ar negando algumas vezes.- eu não quero ir pro Texas, não quero sair daqui - Sussurrei engolindo a seco e o vi me encarar confuso.

- Mas é sua grande chance, não pode perder isso filha! -Sua mão tocou meu rosto, de certa forma ele estava desesperado.

- Eu estou bem, pai eu estou aqui! Se for pra acabar um dia vai acabar... mas eu não vou passar meus últimos meses tendo esperança - disse baixo com voz de choro e encarei seus olhos.- Eu estou bem papai, eu estou do seu lado.

- Você não pode desistir de tudo assim, essa pode ser sua única chance - Ele segurou o choro, era perceptível que ele queria chorar.

- Chance do que papai? De aumentar meus dias de vida e desperdiçar os que eu tenho sofrendo numa clínica? Isso não é vida... -funguei negando.

- Por favor filha, eu não posso te perder também. -Sussurrou apertando minha mão.

- E o senhor não vai, sempre e pra sempre lembra? -O abracei forte escondendo o rosto em seu pescoço.- vai ficar tudo bem... o senhor vai ver.- Ele me apertou em seus braços.

- Eu te amo querida.

- Eu também te amo, papai.

Quebra de tempo

O resto do dia se resumiu em ajudar o papai com alguns papéis da igreja, em nenhum momento tocamos sobre o assunto da clínica, o que era bom. Eu não queria ter que ir, não queria deixar tudo e todos pra trás.

Respirei fundo olhando o relógio antigo na parede do escritório, já se passavam das seis. Guardei os documentos em uma pasta a colocando em cima da mesa.

- vou ver se o jantar está pronto. - Avisei papai que em resposta me encarou concordando com a cabeça.

Após me retirar do cômodo caminhei em passos largos até a cozinha, suspirei baixo relaxando meus músculos e direcionei minha atenção para o fogão. Era segunda, seria sopa como todas as outras segundas. Resmunguei desligando o fogo e me aproximei do balcão da pia pegando o frasco pequeno de comprimidos no bolso da saia, o deixei de lado para encher um copo com água e assim fiz. Meus olhos estavam fixos na água que enchia o vidro com rapidez, em um ato cauteloso abri o frasco despejando três comprimidos sobre o balcão. O que eu jurava ser o suficiente para uma dor que existia apenas em minha cabeça.

Mas meu corpo todo doía certo? sentia as pontadas na beira do estômago e as náuseas repentinas que brincavam de esconde esconde. Então estava certa de que as dores existiam.

Apanhei os três comprimidos os levando até os lábios, com a outra mão deixei com que o copo virasse todo o líquido dentro dos meus lábios, levando consigo todas as palavras não ditas e os comprimidos desnecessários que havia tomado.

- Filha?

Merda.

- Vee, querida está tudo bem? -Ousei virar meu corpo vendo agora o mais velho encostado na entrada, ele desviou o olhar para o copo e logo depois para o frasco que por descuido meu, ainda estava no balcão. Ele era inteligente demais pra não perceber o que estava acontecendo.

Ele limpou a garganta e permaneceu calado, pensativo pra ser exata.

- Eu só, estava com um pouquinho de dor... não precisa se preocupar papai -murmurei uma desculpa projetada automaticamente pela minha mente, ele concordou ainda em silêncio e se retirou da cozinha com as mãos no bolso da calça social preta.

-

- Você está doida Billie? Eu não posso sair de casa essa hora! -Tentei dizer tudo em uma voz mais baixa, não queria acordar meu pai.

- Qual é, tranca a porta do quarto e vem, prometo te levar pra casa depois. - A voz dela parecia abafada do outro lado da ligação, eu queria perguntar onde ela esteve esse tempo todo. Só me faltava coragem.

- Certo... tudo bem, te encontro ai daqui alguns minutos. - Sussurrei fechando os olhos ao ouvir a risada dela e desliguei passando as mãos no rosto.

Ir ou não ir? Merda!

Antes que seja tarde Onde histórias criam vida. Descubra agora