Capítulo 9- Revelação

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- Tudo bem, vocês ganharam – murmurou o Saci. – Responderei quaisquer perguntas, só me tirem dessa posição, o sangue que desceu para minha cabeça já está me afetando.

Olhamos um para o outro pensando seriamente em deixá-lo lá embaixo, mas ninguém quis opinar, então decidimos arriscar. Se ele for travesso ao ponto de fugir eu juro para vocês que deixo esse mistério para lá. Estou cansado e a única coisa que me mantem erguido é a adrenalina.

- Sem gracinha mocinho – rosnou J.p. – Paciência tem limites, ainda mais pra mim.

- Qualquer atitude suspeita nós revidaremos – alertou Alison ameaçadoramente.

- E eu não vou errar dessa vez – intimei com meu arco apontado para seu coração.

- Justo.

Descemos o Saci-Pererê devagar, mas uma coisa ainda me incomodava, aquela perna esquerda não parecia real. Assim sendo, quando chegou ao chão ele cruzou suas pernas e esperou a nossa parte. Ótimo, ele não vai dar trabalho, é a nossa deixa.

- É agora, meus amigos – murmurei em êxtase. – Essa é a nossa chance de mudar nossa opinião sobre contos de fadas. Vão na frente, quero filmar eu mesmo dessa vez.

Eu fui até a câmera e a retirei do quadro conforme meus amigos desciam um por um e pelo que vi os dois adultos atrás de mim não se machucaram com a curta luta contra o Saci. Talvez hematomas por baixo das suas roupas, porque do físico, estavam bem. Coloquei a câmera em torno de minha cintura e me dirigi logo em seguida até os outros parando junto deles na frente da nossa presa. Agora que estamos todos bem e juntos, está na hora de esclarecer algumas dúvidas.

- Você é imortal? – comecei sendo direto, minha câmera apontada para ele, um angulo perfeito.

- Sim.

- E tudo que ouvimos sobre os outros como a mula sem cabeça, vampiro, fadas e tal, também são reais? – continuou Samanta.

-  Sim, apesar de ter cruzado o caminho de poucos. Saibam que mesmo sendo inimigos comum dos seres mortais, não nos misturamos uns com os outros e muito menos fazemos alianças como vocês veem nos filmes, isso é muito raro.

-  E por que você tem duas pernas? – Jeferson escolheu a minha pergunta da qual havia esquecido depois que ficamos tão perto. – A lenda diz que você anda com uma só.

- Ah sim, meu garoto – ele tocou nela certificando de algo, como se não tivesse quebrada. – A lenda está correta, essa aqui é artificial.

Ele retirou um protótipo da sua perna esquerda, se levantou normalmente, sem nenhuma dificuldade. O cara é muito foda.

- Vocês acharam que eu não iria me envolver com a atualidade desse mundo, acharam?

- Nem passou por nossa cabeça – respondeu Léo admirado.

- Então você nasceu assim? – questionou Sammy kim, como que sentindo pena.

- Eu conheço esse olhar – repreendeu o Saci. – Não sinta pena de mim criança, eu não nasci assim se quer saber, eu perdi minha perna em uma luta de capoeira, era tão bom no que fazia que zoava meus adversários até que chegou um ponto em que eles resolveram me dar o troco da forma mais covarde possível, me tirando da jogada. Fiquei muito desgostoso sim, no começo, eu amava aquela expressão cultural, era uma mistura de arte marcial com esporte, cultura popular, dança e música...

- Você fala no tempo passado – questionou Léo. – Por acaso parou de fazer o que gostava?

- Sim, e não me arrependo disso.  – Ele deu uma pausa. - Continuando... fui dado como morto pelo meu povo e eles me eternizaram como “Matimpererê- o flexível” um dos melhores capoeiristas.

- Seu verdadeiro nome? – perguntou Samanta, recebendo um sim de confirmação.

- De fato era para eu ter morrido, entretanto, algo me tornou em uma divindade, estava em um lugar onde não havia espaço e nem tempo, fui guiado por um anjo de luz para uma linda floresta que significava muito para mim e lá me tornaram imortal. Sinto que foi pela admiração que meu povo sente por mim até hoje. E foi nessa imortalidade que descobri que há muitas outras criaturas fictícias bem reais por aí.

- Sabia que as pessoas não tiravam aquelas criaturas só com a imaginação, elas são reais – processava Samanta.

- Isso é demais – concluiu Jeferson. – Com a sua imagem podemos mostrar para nossos seguidores o que vive conosco. Vamos ser muito conhecidos.

Pela expressão repentina do Saci-Pererê, percebi que não teríamos essa oportunidade de ganhar fama às custas de imagens alheias, ainda mais sendo elas sobrenaturais.

- Pois é garotão – começou o Saci batendo pequenas palmas até segurá-las em uma prece como se estivesse procurando não ser grosso o bastante para não deixar desgostoso nosso amigo. – Como sua amiga já deve tê-los alertados, estamos escondidos por um bom motivo e não queremos ser caçados novamente, acreditem em mim, as pessoas não gostam de conviver ao lado daquilo que elas não conhecem, do diferente.

- Tomei uma decisão -intimei repentinamente assustando meus amigos. – Vamos deixar tudo como está, quem viu, viu. Quem não viu só o verá nessas versões cinematográficas. Não quero mexer com o que não conhecemos somente por curtidas, nossas vidas são a prioridade aqui.

- No fundo eu não quero mergulhar mesmo nesse ramo – explicou Sammy Kim. – Só estou fazendo isso pela adrenalina e por estar com vocês, tenho outros planos pro meu futuro.

- Tudo bem, então – concluiu Samanta. – Todos sabemos que o mundo não está preparado para revelar o oculto e sinto que nunca estará. Vamos dizer que o Saci era apenas um homem fingindo ou pregando peças, respeitando assim sua identidade.

- Esses jovens a minha frente são admiráveis – disse o Saci com respeito. – Não mudem esse jeito rebelde e justo de serem, o mundo aí fora não pega leve e é mais cruel como sabem.

- Apreciamos seu conselho Saci – respondeu Léo com uma reverencia no estilo japonês.

- Só me responda uma pergunta? - disse J.P.

- Manda chefia.

- Por que escolheu meu sítio?

- Eu vou aonde nunca estive, e seu sítio acabou sendo a minha pousada esse ano, a cada ano eu mudo de lugar espalhando a minha história.

-  Agora que tudo está esclarecido – começou Jeferson. – Vamos postar no nosso canal do Blue Fire sua história mantendo sua identidade original guardada.

- Ainda não temos um logotipo, mas caso nos encontremos de novo, você saberá o que aprontamos – ajudou Léo com sarcasmo.

- Confiarei minha imagem a vocês garotos - ele pausou dramaticamente procurando nos assustar.  - Só uma última informação.  Ainda não me conhecem por completo, como sabem... bem e mal andam juntos, lado a lado. O que vocês viram hoje foi o meu lado divertido e brincalhão. Não queiram ver esse meu outro lado, caso quebrem o acordo.

- Justo – encerrei a conversa. – Conta conosco então. Sua identidade está segura.

- Vamos pra casa crianças – disse Alison. – Quero tomar um bom banho e descansar por hoje.

Todos saímos da velha igreja cheios de adrenalina nos dirigindo para o sítio ao lado do Saci que ainda conversava sobre outros feitos em outros lugares que não irei descrever aqui para vocês.

Nossa busca pela primeira lenda acabou, mas era só o começo de muitas outras que estavam por vir.

Mitos Reais do Folclore Brasileiro: O Saci-Pererê (Concluído) Onde histórias criam vida. Descubra agora