O Chantagista

Capítulo I

Aquela mansão isolada, localizada em plena Serra de Sintra, fazia transparecer um misto de maldição e mistério. Todo aquele terraço estava rodeado de pleno mato e a própria entrada caracterizava-se por uma escuridão tremenda. Quando Sara lá chegara, na companhia do velho motorista Werner, um inglês muito aportuguesado, que trabalhara durante anos nas mais conceituadas casas inglesas, nem queria acreditar na vista horrorosa que acabara de ver.  

- Já está menina! Seja muito bem-vinda à mansão dos Vasconcelos!- Retorquiu o motorista. 

- Não tenho a mínima dúvida que serei muito feliz aqui durante o tempo que cá estiver! - Ironizou Sara, com uma cara estranha. 

Posteriormente, entra no interior da mansão. Mal entrou, observou um corredor contínuo que parecia não ter fim. Ao longo desse corredor, avistou vários retratos: 

- Werner, diga-me uma coisa. Estas pessoas são membros da família que habitaram esta casa?  

- Sim, menina, mas estes retratos iniciais correspondem a membros muito antigos. Os primeiros habitantes desta mansão viveram no século XVIII. Os mais recentes estão mais ao fundo do corredor. - Respondeu Werner. Espantada, Sara fez outra pergunta: 

- Desculpe lá, mas quando vierem mais membros, definitivamente, eles terão de aumentar o corredor de alguma maneira ou expandir para a sala. Daqui a pouco, não cabem mais?! 

- Isso não sei! - Prosseguiu o motorista com o tom delicado que o caracterizava. - Isto é a Dona Carolina, a matriarca da família, uma mulher muito conservadora e tradicional, filiada ao partido comunista, que deseja que os retratos dos seus antepassados e familiares corram toda a entrada. Já o marido, o Doutor Francisco, mais moderno, menos formal e mais atento aos outros, não tem as mesmas ideias. Para ele, estes quadros "nem lhe aquecem nem lhe arrefecem". Olhe este retrato, aqui estão eles. 

Sara só pensava que a velha tinha cara de bruxa. Não tardou até perguntar quem eram os restantes membros. Werner foi identificando-os à medida que iam avançando o corredor. 

- Aqui temos o Doutor Afonso, o mais simpático e mais respeitador dos cinco filhos do casal Vasconcelos. Ao lado dele está a sua primeira mulher, Margarette, pertencente a uma das mais nobres casas ingleses, descendente da rainha vitória, mas num outro ramo da família real. No entanto, ela não via os títulos como algo único. Fazia-o mais a Dona Carolina, sua sogra, do que ela. Sem dúvida que era a nora que a senhora mais gostava. Como vê, tinha um olhar doce. Para ela, a família era tudo, principalmente as três filhas: Cleo, Cloe e Cláudia. Morreu há 13 anos no parto do quarto filho, um rapaz finalmente. Sabe que estámos em 1993, no final do século XX, mas esta casa, as tradições dos Vasconcelos não evoluíram com o tempo. Estou cá há quase 50 anos, ainda do tempo dos avós da Dona Carolina e acho que quando eu morrer continuará assim. Sendo assim, a Dona Carolina e o Doutor Afonso sempre fizeram pressão para que a Senhora Margarette engravidasse. E mesmo sabendo, após os problemas do parto que teve com a filha mais nova, que uma quarta gravidez seria de risco, tal como o parto, não ligaram nenhum, o importante era vir um filho homem, herdeiro do filho mais velho do casal Vasconcelos, que seria ordenado seu sucessor! A Dona Margarette acabou por morrer nesse quarto parto, mas o menino morreu também! Foi um duro golpe na vida da Dona Carolina, mas sobretudo do Doutor Afonso, que nunca mais foi capaz de ser um pai para as filhas! 

Sara escutou com atenção e perguntou: 

- Mas a minha amiga Isabel, tal como a filha Dória, sua segunda mulher e enteada respetivamente, já começaram a mudar um pouco mentalidades não acha? - Perguntou Sara. 

- É verdade, mas com os mais velhos da família será muito complicado. Mas os mais jovens habituam-se muito mais rápida e facilmente às mudanças constantes que os tempos de hoje nos oferecem.