Capítulo II

44 4 4
                                    

No final daquele dia, os elementos da família Vasconcelos que viviam na mansão estavam reunidos a jantar. Faltavam apenas Raúl, a sua mulher Fátima e a sua filha Maria. Como é óbvio, também Urraca e o marido não estavam presentes, mas estes não interessavam muito, pelo menos para já, na missão que foi confiada a Sara. Afinal, já não habitavam há muitos anos aquela casa para serem considerados suspeitos do crime que foi chamada a desvendar. Daqueles que acabara de conhecer, destacou os seus olhares para Dona Carolina, a matriarca altiva, que estava sentada no topo da mesa, numa pose de vigia a todos os seus descendentes, inclusive ao seu marido, oficialmente um "pau mandado" dos caprichos da velha senhora. Num momento do jantar, a senhora decidiu conversar com aquela que considerava uma "invasora", não fosse ela uma inspetora chamada a investigar um crime, no qual todos eram suspeitos: 

- Com que então hoje temos uma nova convidada. Quanto tempo pretende ficar aqui senhorita Sara? - Perguntou Dona Carolina. 

- O tempo que for necessário minha senhora. Mas não se preocupe, não tenho intenções de ficar aqui muito tempo! - Riu-se Sara com um olhar sarcástico. 

Isabel, que já tinha dado provas suficientes que não gostava da sogra, teve todo o gosto em participar na conversa: 

- Mas porquê minha sogra? - Perguntou.- Tem assim tantos motivos para não querer aqui a minha convidada? 

- Esteja calada! - Respondeu Carolina enquanto Afonso deu uma cotovelada na mulher.- Não acha que é falta de educação meter-se na conversa de outras pessoas? 

Gaspar ia servindo juntamente com Constança o prato principal, um fantástico bacalhau com natas ao gosto de Dona Carolina. Dava para perceber que não tirava os olhos de Sara que se contia para se concentrar na sua investigação. O rapaz servia sempre a inspetora em último lugar, não se esquecendo de, discretamente, passar-lhe a mão pela cabeça cada vez que a servia. Pedro olhava desconfiado. Se tinha tudo a ver com o tio, um tom moderno face a este caracterizava a sua personalidade, pelo que não hesitou a piscar os olhos ao mordomo, seu amigo para lá do empregado. Afinal, tinham ambos a mesma idade, crescendo e brincando juntos. Foi com o mordomo que desabafara todos os seus problemas e, num gesto de agradecimento, mandou um "pó mágico" para o ar: 

- Eu cá acho que a Inspetora Sara é muito bonita! Não achas Gaspar? 

Carolina ficou irritada com a atitude do neto e não retrocedeu em ordenar-lhe que não falasse para os empregados na hora da refeição. Afonso, oficialmente um "devoto" da sua "santa" mãe, dirigiu-se ao sobrinho: 

- Acho que as ordens da tua avó são claras. Certo Pedro? 

Pedro olhou para Gaspar com um ar incomodado. Sério, Gaspar saíu. A Inspetora Sara ficou horrorizada com a situação. Naquele momento, só tinha vontade de se dirigir à cozinha para estar um pouco à beira do mordomo, mas sabia que estava em trabalho e que a sua investigação era mais importante. Entretanto, escutara a voz doce de Cleo, a filha mais velha de Afonso, que tinha estado tão calada até àquele momento: 

- A inspectora Sara vai dormir onde? Espero que não seja no quarto vago ao lado do Pedro!  

Pedro, completamente derretido com aquele medo por parte da prima, perguntou: 

- Não, vai ser no andar dos fundos ao lado do quarto do Gaspar. Também está vago não está? - Perguntou risonho. 

Carolina cometeu entretanto outra das suas atrocidades: 

- Se calhar não era má ideia pois não? Afinal não tenho informação que a inspetora seja uma pessoa do nosso meio! 

Afonso instou a mãe: 

- Porque não é, minha mãe? É uma grande amiga da minha mulher, logo, é uma grande amiga minha também! 

- Pois claro! Eu esqueci-me de onde veio a Isabel! - Provocou Carolina, enquanto Isabel fez um esforço para não responder. 

Cláudia, a mais nova da mesa, tentou aliviar a tensão: 

- O jantar está muito bom!  

O jantar prosseguiu. Na cozinha, Constança pediu ao filho para não se dirigir à sala. Sendo assim, apenas ela serviu a sobremesa. Letícia, a filha mais nova de Dona Carolina exclamara: 

- Que bom! Não sei há quanto tempo não comia mousse de maracujá! 

- Vou perguntar à Constança que de tão importante tem este jantar para servir uma sobremesa deste género. O dinheiro a gasto a mais será descontado do seu ordenado. - Informou Carolina com muita maldade. 

"Ninguém é capaz de responder a esta velha empertigada?", pensou Sara. 

Ao olhar para a cara de Sara, Doutor Francisco, até ali calado, implorou à mulher, como quase sempre que falava para ela: 

- Por favor Carolina, a Constança trabalha nesta casa há anos! Tenha outra atitude perante a nossa visita minha querida!  

Carolina que estava a meio da sobremesa, pegou no pano que tinha no colo, limpou a boca e levantou-se zangada: 

- Vou-me deitar! Boa noite a todos! 

Eis que após a sua saída, a filha do meio de Afonso, Cloe, fez um comentário que desagradou o seu pai: 

- Não ligue à minha avó inspetora! De meia volta dá-lhe estas birras! Com o tempo irá se habituar! 

- Cala-te Cloe! Não és capaz de respeitar a tua avó? - Enervou-se Afonso. 

Sara, perante a confirmação de todas as certezas que tinha, ficou animada e ainda mais disposta a desvendar o caso, cujos dados mais aprofundados ia ficar a saber após o jantar através da amiga Isabel. Faltava-lhe apenas exprimir-se uma pessoa e, após observá-la seriamente, decidiu acalmar os ânimos: 

- Não se chateiem por minha causa, por amor de Deus! - Exclamou com falsa modéstia. - Desde que cheguei a esta casa que ainda não tive hipótese de ouvir a Constança falar. Sempre com ar tão sério! Mas teremos muito tempo para conversar não é verdade? - Perguntou retoricamente a inspetora que tinha a certeza que aquela mulher escondia algum segredo.

O ChantagistaOnde histórias criam vida. Descubra agora