Capítulo I

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Anabela
Todos nós, em algum momento da vida já paramos para pensar onde estariamos daqui ha dez, quinze ou vinte anos. Quando criança, eu sonhava com a adolescência, usar sutiã, ir a bailes e usar maquiagem como minhas irmãs e suas amigas costumavam fazer. Quando essa época chegou eu não era em nada parecida com elas. Muito pelo contrário, eu era oque se podia chamar de patinho feio. Gorda demais para ser popular, é burra demais para ser o cérebro da turma. É...adolescência é um período difícil. Mas não tenho muito do que reclamar, foi nessa época que desenvolvi minha individualidade. Eu não queria ser mais como Beth,minha irmã mais velha, não me interessava por festas, não sonhava em ser a rainha do baile é odiava usar maquiagem, isso me fazia parecer uma versão mal feita do Bozo. Havia algo que me prendia, algo que me fazia sair da zona de conforto, que me permitia viajar e ser quem eu quisesse, longe das imposições do mundo real. Eu amava ler!
É, muitas pessoas amam ler. Isso não chega a ser uma individualidade. Mas desde a primeira vez em que toquei em um livro, eu soube oque eu queria ser. Queria ser como Jane Austen, ou Bárbara Cartland. Mesmo que minha vida não tivesse um pingo de romance ou adrenalina. Eu sonhava com bailes na corte inglesa, pedidos de casamento, duques, condes e toda aquela pompa dos romances históricos.
Passei minha adolescência suspirando pelos cantos, enfiada na biblioteca sonhando com Sr Darcy de Orgulho e Preconceito. Escrevendo romances açucarados que desagradavam minha mãe. Para Angela Ventura se você não era uma adolescente modelo da sociedade. Daquelas que vencem os concursos de beleza, como Beth que todo ano era eleita a Rainha da Colheita, não acrescentaria muito para o mundo.
-Livros não te dão o primeiro lugar, Anabela- ela costumava dizer.
Minha mãe sempre lutou para garantir seu lugar na sociedade. Sempre achei que o fato de ser uma mulher negra ,esposa do filho de uma família fundadora de Vila Velha, a fizera endurecer muito. Mas eu sabia o quanto ela penara para conquistar seu espaço em meio as damas da cidade. Qualquer deslize era inadmissível.
Então, muito a contragosto, tranquei meu sonho em algum lugar a sete chaves.
Com a chegada da vida adulta vieram também as responsabilidades. Faculdade, trabalho, contas...e o tempo que passava desenfreado. Vi minhas irmãs se casarem, vi terem seus primeiros filhos e o mundo parecia me arrastar . Eu nunca soube onde iria chegar, todos os anos pareciam os mesmos. Eu trabalhava mais do que podia, ser o braço direito de meu pai na cooperativa era no mínimo cansativo. E cada dia mais meu sonhos de adolescência iam ficando pra trás.
E foi então que eu conheci o Samuel. Um gentleman, foi assim que mamãe o descreveu. Pude até sentir o espanto na voz dela ao dizer isso. Afinal, quando pensara que eu, a mais feia e desengonçada de suas filhas ia encontrar alguém como ele??
Bom, eu não posso descordar dela. Passei dias tentando descobrir o que ele vira em mim. E mesmo sem saber entreguei-lhe meu coração de bandeja. Eu já não era apenas a filha que sobrou. Não era aquela que cuidaria dos pais e morreria sozinha numa casa cheia de gatos e pássaros.
Alguém me disse uma vez que 30 é a idade do sucesso, e acho que naquele ano eu realmente comecei a acreditar nisso!
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O som do despertador disparou pela milésima vez. Enroscada entre as cobertas eu ainda divagava, pela primeira vez em muitos anos aquela data parecia diferente. 31 de julho, meu aniversário! Os tão intimidadores 30 finalmente batiam a minha porta.
- Eu não acredito que ainda não saiu da cama!
Lucas adentrou o quarto com cara de espanto. Era incrível como meu melhor amigo ainda se parecia com o adolescente que conheci no ensino médio. O mesmo que roubava livros da coleção da mãe para lermos no recreio. Os melhores romances de banca da série Momentos íntimos.
- Qual é gata você acabou de fazer 30 anos e não 80!
- São dez da manhã!- tateei a mesa de cabeceira a procura dos óculos.
- Eu sei, não é todo o dia que se completa três décadas de vida, sai já dessa cama e vamos festejar!
Ele agarrou as cobertas insistente.
-Festejar? As dez da manhã?
-Qual é querida nunca é cedo demais pra festejar!
-Você é doido!
- Doida vai ficar você quando souber quem eu encontrei saindo da joalheria hoje cedo.
Ele me sorriu aquele sorriso matreiro.
-Quem?-
-Acho que talvez alguém aqui durma  com uma aliança no dedo hoje, e não sou eu!
- Cê tá falando sério?
Não! Meu coração bateu tão forte no peito que achei que explodiria. Será que...? Não,Lucas só podia estar de curtição.
- Samuel Miller, filha, ele mesmo . Seu príncipe encantado, você não disse que ele andava todo estranho e te chamou pra jantar hoje?
- Sim.
-Então.
-Não, ele só me chamou pra jantar... É meu aniversário...
- Qual é Bela! Vocês estão juntos a dois anos, é normal que ele queira dar um passo mais sério na relação.
Eu não sabia o que dizer. Será?
Samuel andava estranho naqueles últimos dias, quase não havíamos conversado direito. E quando ele me convidara para jantar eu realmente ficara em alerta. Mas não queria criar espectativas.
- Por isso eu estou aqui, querida, vamos as compras!
-Compras?
-Acha mesmo que eu te deixaria ir a um jantar importante com o boy usando esses trapinhos que chama de roupa?
- Eu não uso trapos!
- Qual é Anabela, você prefere chegar nesse jantar arrasando ou parecendo um cosplay mal feito da Maria do Bairro?
Senhor! Exclamei em pensamento, uma risada saindo pela garganta. Lucas não era um melhor amigo era um karma.
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Joaquim

De Repente 30Onde histórias criam vida. Descubra agora