Capitulo VI

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-Bom dia!
Cumprimentei a secretária como sempre fazia antes de entrar no escritório da cooperativa. Ela me sorriu um sorriso amarelo. Seus olhos grandes me encarando como se estivesse tentando disfarçar algo errado.
-Algum problema Márcia?- perguntei desconfiada.
-Não senhorita.- ela pigarreou, dei de ombros e segui caminho.
Minha sala era um forno. Cabia apenas a mesa com o computador e uma estante cheia de caixas e documentos arquivados.
Joguei a bolsa a um canto e comecei a checar os recados anotados na agenda.
1. Reunião as 16 com o chefe dos operários.
2. Retornar ligação da prefeitura
3...
Dei um salto quando Lucas adentrou a sala afobado segurando um exemplar do Gazeta Velha, o unico jornal que circulava pela cidade.
-Que coisa Lucas, quer me matar do coração??
Levei a mão ao peito tentando acalmar as batidas do meu coração.
-Ja leu o jornal hoje?
Ele tinha aquela expressão de suspense nos rosto.
-Não..- eu raramente lia aquele jornal. -Oque houve?
Ele me ofereceu o exemplar que ja estava aberto na página mais lida pelos moradores da cidade. A coluna de fofocas de Dóris Seixas. Onde nada passava despercebido e tudo virava notícia e entretenimento.
A manchete em negrito dizia com todas as letras: " Mais novo casal de pombinhos de Vila Velha ja tem data para casamento" Na foto que ilustrava a matéria Samuel e Débora sorriam felizes como um daqueles casais de novela. Bonitos, elegantes e felizes.
-Ta...-comecei tentando fingir desinteresse. -E oque eu tenho com tudo isso?
-Acho melhor você dar uma boa olhada no fim da matéria Bela.
Eu não estava entendo nada, não queria me envolver mais na história daqueles dois. Aquela última semana tinha sido um caos, eu precisava me livrar de tudo aquilo.
-Eu ja sei que eles estão felizes, e ótimo pra eles se vão se casar...
-Estao falando de você na materia Anabela!- Lucas retirou o jornal da minha mão impaciente.
Começou a ler:
-" ...Quem não perdeu tempo com a separação foi a 'princesa da soja', Anabela Muller que foi vista várias vezes na companhia de um jovem desconhecido, que segundo fontes é seu mais novo affaire..."
-Mas que merda é essa?!
Achei que fosse ter um infarto, como Dóris Seixas tivera coragem de me expor daquela maneira? Bom, a mulher tinha fama de não perdoar ninguém e a maioria se divertia com a língua afiada e as piadas maldosas que ela costumava escrever. Na minha opinião aquela mulher não passava de uma alcoviteira.
-Tem até uma foto.
Disse Lucas , como se nao pudesse ficar pior. Arranquei o jornal de suas mãos irritada.
A foto desfocada ilustrava o dia em que Xavier me conduzira até em casa. No rodapé o autor da imagem era identificado como fonte desconhecida. Óbvio que uma das vizinhas fofoqueiras havia vendido aquela foto para o jornal. Isso era repugnante.
Agarrei minha bolsa decidida.
-Oque vai fazer?
-Vou ate o jornal..
-Como assim? Oque vai fazer lá mulher?
-Vou matar aquela Dóris!
-E trocar a coluna de fofoca pelo boletim de ocorrências?- Lucas me impediu .
-Que raiva!-  desabei sobre a cadeira.
Eu queria matar aquela fofoqueira da Dóris. Era um absurdo que escrevesse tais coisas sem se quer pedir autorização. Aquela mulher ja tinha ultrapassado os limites a muito tempo. Precisava ser parada.
-Tente se acalmar amor, aquela Dóris é uma fofoqueira e merecia uns bons tapas, mas temos que pensar bem. Ela nao deve estar sozinha nessa história.
-Oque quer dizer?
-É claro que isso é coisa daquela entojada da Débora!
Bom, Débora e Doris sempre foram unha e carne, desde a epoca da escola. Não seria de se surpreender se caso ela estivesse por trás daquela noticia maldosa.
-Mas oque ela vai ganhar me expondo desse jeito?
-Qual é Bela, obvio que ela ta querendo te tirar de campo de vez. Talvez tenha medo que o Doutor traidor desista e queira voltar pra pedir perdão de joelhos.
Não. Aquilo era fantasioso demais. Samuel não parecia inclinado a fazer aquelas coisas. Bom, ele até tinha me procurado na outra noite querendo tirar satisfações. Talvez fosse apenas orgulho ferido.
-Mas tem uma coisa nessa história toda que eu ainda não entendi.
Lucas se sentou a minha frente, as mãos apoiando o rosto com expressão inquisitiva.
Empurrou o jornal para mim apontando a foto mal tirada.
-Quem é o motoqueiro intitulado seu novo 'affair'??
Revirei os olhos em um suspiro.
-Conte-me tudo não me esconda nada Anabela Muller.
-É so um rapaz...Eu nem sei quem ele é na real...
-Nossa, tendo um caso com um desconhecido...Que moderno!
-Cala a boca Lucas! -Ameacei-o com o jornal, ele riu. - Ele só me ajudou na noite em que fiquei bêbada... E no supermercado...
-Hmm..Um super herói?
-Um rapaz qualquer a quem devo agradecimento. Essa história de affair é uma tremenda idiotice.
-Nunca se sabe... Você ta solteira agora..
- E pretendo ficar assim!
***

Joaquim

Empurrei a porta de vidro e entrei no pequeno escritório de recepeçao do jornal de vila velha. Enfim o advogado tinha me dado e retorno e em menos de um mês eu poderia me ver livre da casa que herdara. Segundo ele precisavamos atestar que eu nao teria condições de tomar conta do imóvel e por isso a unica saida seria vende-lo.
Claro, a casa precisava de alguns reparos, mas nada que eu não conseguisse resolver em poucas semanas. Precisava apenas de ajuda. E por isso estava ali.
Toquei a campainha sobre o balcão e entao um par de olhos verdes surgiu de algum lugar ali atrás.
-Cristina? -me surpreedi.
A ruiva me sorriu um sorriso espontâneo. Os olhos brilhando detras das lentes do óculos redondos.
-Professor X!
-Não sabia que trabalhava no jornal.
-Pois é, quatro anos na faculdade de jornalismo e oque eu ganho? - ela se dobrou sobre o balcão como se fosse me confidenciar algo. - O crachá de recepcionista!
-Que merda!
- Não é tão ruim, escrevo os obituários também!
Ela deu uma risada, empurrando os oculos com o indicador. Não deixei de reparar o quanto era bonita, com os cabelos ruivos e as covinhas que enfeitavam as bochechas.
-Oque te trás aqui? Se for pra processar a chefe vai ter que entrar na fila.
Franzi a testa sem entender:
-Você não viu ainda né?
-Não vi oque?
Cris mordeu o lábio cogitando me falar ou não oque estava pensando.
-Você ta no jornal, cara, página 7 coluna de fofocas!
-Oque??
Folheei o exemplar que ela me passou sobre o balcão e lá estava.
-É você não é?
-Que merda é essa?
-Bom, diz ai que você e a princesa da soja estão saindo...
-Princesa da soja?
-É...Anabela Muller, a filha do dono da cooperativa.
Aquilo era ridículo. Oque aquelas pessoas achavam que éramos? Atores de Hollywood ou algo assim?
-Isso é uma merda.
-É eu sei... Mas as pessoas nessa cidade adoram coisas desse tipo...Hey!
Sai do Escritório sem olhar para trás, eu precisava encontrar Anabela, com certeza ela já estaria sabendo daquela matéria ridícula. E algo me dizia que isso ainda iria me trazer muita dor de cabeça.
***
Anabela

-Você só pode ter enlouquecido!
Encarei o rosto de expressão irritada de minha mãe e respirei fundo. Há alguns minutos Ângela tinha invadido minha sala como um furacão.
- Foi por isso que você estragou tudo com Samuel? - ela jogou o maldito exemplar do Gazeta Velha sobre a mesa. - Para virar uma piada na cidade inteira?
-Mãe...
-Não, Anabela! - ela estava decidida em colocar pra fora tudo oque a sufocava.- Eu já sabia que você não era como suas irmãs, e então Samuel apareceu e eu me senti aliviada por você, mas agora isso?? Não posso acreditar que você seria capaz de se rebaixar tanto? Oque esta acontecendo? É uma crise de idade? Talvez esteja querendo viver agora os desejos de adolescência...
-Mãe!
-Eu batalhei anos a fio menina, eu passei por coisas que você jamais sonharia pra permitir que você suje o nome da nossa familia dessa forma.
A princesa da soja e seu novo affair??
Ela desabou sobre a cadeira esfregando as temporas. Eu queria sumir dali, minha mãe era como aquelas bruxas más das historias infantis só que muito mais assustadora. Eu não queria brigar. Não queria piorar ainda mais as coisas, mas se ela continuasse a me insultar não responderia por mim.Pela primeira vez na vida eu estava juntando forças para me defender.
-Samuel me traiu...- eu disse baixinho- ele me traiu sei la por quanto tempo, ele me humilhou, e agora você entra aqui e fala como se tudo fosse culpa minha...
-E Não é?
As palavras dela me atingiram como uma faca.
-Você com esse jeito de mosca morta, sempre choramingando pelos cantos, que homem iria gostar de uma mulher assim? Seu novo affair?-ela riu desgostosa.
Senti as lágrimas brotando em meus olhos. Uma dor aguda cortando a garganta. Respirei fundo.
-E se ele gostar?
-Oque disse?
-Oque Você ouviu.-me lavantei cruzando os braços- Talvez ele goste de mim assim, talvez ele até me ame.
-Me poupe Anabela. Pare de enganar a si mesma.
-Pare você de me subestimar! -Olhei-a nos olhos. - Estou cansada de ouvir você falar tanta merda!
-Anabela! -ela se ergueu irritada.
Agarrei minha bolsa e sai da sala com ela em meu encalço. Do lado de fora os olhares curiosos da secretaria e de um Lucas visivelmente surpreso nos observavam.
-Volte ja aqui Anabela Muller!
Quando cheguei a porta de saida uma golfada de vento atingiu meu rosto em cheio. Me senti dominada por uma incrivel sensação de liberdade.
Lá fora a motocicleta se aproximava de vagar e aos poucos fui reconhecendo meu salvador. Eu não sabia oque ele estava fazendo ali, a unica coisa que sabia era que estava grata por ve-lo:
-Me tira daqui!
Pedi. Ele lançou um olhar sobre meu ombro encarando uma Angela furiosa.
-Sobe ai.
Sorri. Aquela seria a ultima vez que eu permitiria que alguém me humilhasse. Dali para a frente uma nova Anabela iria nascer. E eu tinha certeza, teria orgulho dela.

De Repente 30Onde histórias criam vida. Descubra agora