Mais tarde, Kate tentou descrever o Senhor do Inverno. Não conseguiu. Ou, pelo menos, não sem o impulso de gritar e sair correndo da sala. No fim, fez uma lista.
Grande.
Escuro.
Garras.
Olhos.
Muitos olhos.
— Estraga-prazeres — sibilou o gato.
***
O Senhor do Inverno falou, e a voz foi como gelo partido ou o vento no dia mais frio:
— Tu chamaste e eu vim — disse. — Quem me convocou?
— Fui eu! — disse o sr. Mitchell. — Quero que o dia perfeito dure para sempre.
— E assim será — prometeu a voz. — Dou-te o inverno.
O sr. Mitchell sorriu. Não era um bom sorriso.
— Espera aí. — A voz de Kate cortou a tempestade. Ela gritava, impedindo que o vento lhe roubasse as palavras. — Com licença — disse —, acho que vai descobrir que, na verdade, quem o convocou fui eu.
— Isso é mentira! — protestou o homem.
— Não, não é — respondeu Kate, furiosa. — O sr. Mitchell pode ter querido convocar você, mas eu é que consegui. Não pretendia, só isso. Foi meio que... um acidente.
O céu inteiro se franziu. Muitos, muitos olhos se voltaram para o sr. Mitchell.
— Então, receio — trovejou — que a decisão já não seja tua.
— Não! — gritou o homem. — Eu possuo dois dos três objetos. Certamente...
— A menina me convocou. E transporta a chave. Aquela que governa os outros. — O Senhor do Inverno pareceu impaciente. — Devemos nos curvar às regras.
— Regras? — Kate tirou a chave do bolso e acenou com ela para o sr. Mitchell. — Viu? — disse.
O homem fez menção de apanhá-la. Armand bloqueou o caminho, agarrando a mão dele.
— Não. A decisão é da Kate. Deixe ela decidir.
O sr. Mitchell o derrubou no chão. Armand o segurou, e velho e jovem rolaram pela neve. A menina adiantou-se rapidamente, fitando o céu. E o céu fitou-a.
— Bem — exigiu o Senhor do Inverno. — Não resta muito tempo. O que será?
— Primeiro — disse Kate —, o que você ganha com isso?
— Honestamente? — O céu riu. — Estive à deriva por tanto tempo. Agora terei um lar.
— Entendo — respondeu ela por fim. — Então, o que eu ganho?
— Dá-me o mundo... e eu te darei esta cidade e este dia, e poderás apreciá-los para sempre. Não envelhecerás nem crescerás. A neve sempre há de cair. Não terás preocupações. Tudo sempre será perfeito.
— E quanto à minha mãe? — perguntou a garota.
Centenas de olhos estreitaram-se um pouco.
— Sentirias falta dela?
— Bom... — Kate viu-se analisando a pergunta. Era interessante. Tudo o que a mãe fazia era dormir e comer o que a filha cozinhava. Sem ela, Kate teria muito menos coisas para arrumar na casa. Olhou para a cidade tomada pela neve. Estava tudo tão pacificamente ajeitado. Como se alguém tivesse pegado o mundo real e acrescentado muitas linhas retas e páginas em branco.
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Quando Cair o Verão & Outras Histórias
Mystery / Thriller"Quando o verão acabar, o Senhor do Inverno surgirá..." No vilarejo costeiro de Watchcombe, a jovem Kate está determinada a aproveitar o máximo sua última semana de férias de verão. Mas quando ela descobre uma misteriosa pintura com o título de 'O...