Capítulo 10

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Mais tarde, Kate tentou descrever o Senhor do Inverno. Não conseguiu. Ou, pelo menos, não sem o impulso de gritar e sair correndo da sala. No fim, fez uma lista. 

Grande. 

Escuro. 

Garras. 

Olhos. 

Muitos olhos. 

— Estraga-prazeres — sibilou o gato. 

***

O Senhor do Inverno falou, e a voz foi como gelo partido ou o vento no dia mais frio: 

— Tu chamaste e eu vim — disse. — Quem me convocou? 

— Fui eu! — disse o sr. Mitchell. — Quero que o dia perfeito dure para sempre. 

— E assim será — prometeu a voz. — Dou-te o inverno. 

O sr. Mitchell sorriu. Não era um bom sorriso. 

— Espera aí. — A voz de Kate cortou a tempestade. Ela gritava, impedindo que o vento lhe roubasse as palavras. — Com licença — disse —, acho que vai descobrir que, na verdade, quem o convocou fui eu. 

— Isso é mentira! — protestou o homem. 

— Não, não é — respondeu Kate, furiosa. — O sr. Mitchell pode ter querido convocar você, mas eu é que consegui. Não pretendia, só isso. Foi meio que... um acidente. 

O céu inteiro se franziu. Muitos, muitos olhos se voltaram para o sr. Mitchell. 

— Então, receio — trovejou — que a decisão já não seja tua. 

— Não! — gritou o homem. — Eu possuo dois dos três objetos. Cer­ta­mente... 

— A menina me convocou. E transporta a chave. Aquela que governa os outros. — O Senhor do Inverno pareceu impaciente. — Devemos nos curvar às regras. 

— Regras? — Kate tirou a chave do bolso e acenou com ela para o sr. Mitchell. — Viu? — disse. 

O homem fez menção de apanhá-la. Armand bloqueou o caminho, agarrando a mão dele. 

— Não. A decisão é da Kate. Deixe ela decidir. 

O sr. Mitchell o derrubou no chão. Armand o segurou, e velho e jovem rolaram pela neve. A menina adiantou-se rapidamente, fitando o céu. E o céu fitou-a. 

— Bem — exigiu o Senhor do Inverno. — Não resta muito tempo. O que será? 

— Primeiro — disse Kate —, o que você ganha com isso? 

— Honestamente? — O céu riu. — Estive à deriva por tanto tempo. Agora terei um lar. 

— Entendo — respondeu ela por fim. — Então, o que eu ganho?

— Dá-me o mundo... e eu te darei esta cidade e este dia, e poderás apreciá-los para sempre. Não envelhecerás nem crescerás. A neve sempre há de cair. Não terás preocupações. Tudo sempre será perfeito. 

— E quanto à minha mãe? — perguntou a garota. 

Centenas de olhos estreitaram-se um pouco. 

— Sentirias falta dela? 

— Bom... — Kate viu-se analisando a pergunta. Era interessante. Tudo o que a mãe fazia era dormir e comer o que a filha cozinhava. Sem ela, Kate teria muito menos coisas para arrumar na casa. Olhou para a cidade tomada pela neve. Estava tudo tão pacificamente ajeitado. Como se alguém tivesse pegado o mundo real e acrescentado muitas linhas retas e páginas em branco. 

Quando Cair o Verão & Outras HistóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora