Capítulo 10

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Quando chego em casa a primeira coisa que faço é sentar na minha cama e respirar fundo. São exatamente nove horas da manhã. Fico surpreendida comigo mesmo e sei que minha mãe também ficaria.

Olho em volta do meu quarto, e percebo que não tem mais nada para limpar. Meu olhar se fixa no guarda-roupa a minha frente e eu resmungo sabendo o que tenho que fazer. Levanto-me da cama e tomo um banho longo.

Quando saio vou direto para a cozinha onde tomo meu café tranquila. Lourdes passa por mim e sorri e eu retribuo, ela está arrumada e eu não posso deixar de notar, como ela consegue ser assim?

Eu levanto após tomar o meu café.

– Eu vou comprar algumas roupas, caso meu pai chegue e pergunte sobre mim – eu aviso ela, ela levanta também.

– Posso te ajudar? – ela pergunta animada. E um riso nervoso me escapa, não sabendo se isso é uma boa idéia, seus olhos brilham e eu acabo por concordar.

Ela pega as chaves em cima do balcão e balança na minha direção. Quando estamos dentro do carro eu peço pelo menos três vezes para ela tomar cuidado com o acelerador.

Quando paramos no sinal vermelho, ela aproveita para passar um batom vermelho e coloca um óculos estilo vintage, e eu acho um arraso.

– De baixo do banco tem outro óculos –  ela diz e eu pego o observando, armação é rosa clarinho. Eu o coloco me sentindo envergonhada.

– Você é linda Liv – ela me elogia e eu agradeço – Mas tem medo e vergonha – ela disse subitamente, prendendo a minha atenção. Eu me pergunto como ela sabe disso.

– Olha – ela me entrega uma foto antiga – Essa sou eu quando tinha sua idade.

– Parecia um menino – eu falei e ela riu.

– Sim. Eu estava indo para o terceiro ano e ninguém nunca tinha se interessado por mim, ai minha mãe com muito esforço comprou uma maleta de maquilhagem e algumas roupas novas. Eu não usei por vergonha. Não conseguia deixar de ser quem eu era, as pessoas achavam que eu era um menino e eu não queria mostrar que eu não era, porque já tinha me acostumado com isso.

– Eu tenho medo de mudar sabe, e um dia não me reconhecer mais, ou esquecer de quem fui. – admito.

– Eu sei que é difícil, a adolescência é difícil e essa coisa de indentidade é foda também – ela solta um palavrão e começa a rir.

Sempre achei estranho meu jeito de ser, principalmente quando envolve aparência. Eu sei que sou um pouco relaxada e as vezes me comparo com outras garotas. Sempre que vou tentar passar maquilhagem parece que tem uma sombra bem atrás de mim, me dizendo para não piorar o que já está ruim.

É como se eu mesma me reprimisse dentro do meu corpo todos dias, dizendo não, não use isso, e não passe isso também, isso não vai ficaf legal em você, você tá parecendo uma criança.

Eu não tenho um padrão ideal na minha cabeça, eu só queria ser admirada por mim mesmo. Mas parece que algumas coisas são mais difíceis que outras. Talvez se eu conseguisse admitir em voz alta ficasse mais fácil de lidar, e não existiria somente na minha cabeça o problema.

Quando entramos dentro da loja eu repito milhares de vezes mentalmente, se eu gostar eu vou comprar, se eu gostar eu vou comprar. A vendedora me leva até a sessão de jovens, e eu vejo os estilos variados que tem.

Sinto vontade de ir embora, mas fico mesmo assim. Duas garotas passam por mim rindo e eu me sinto desconfortável. Katy sempre me dizia que eu deveria me livrar desses trapos velhos que eu chamo de roupa.

Pra começar eu visto um conjunto de calça e uma blusa curta. É diferente e acho que não usaria algo assim.

Por fim visto três calças cintura alta, um vestido preto básico, mas que serviria para festa também. Compro camisetas de diversas cores, sempre gostei de usar camisetas, compro as calças e o vestido também.

Sinto que para um recomeço estou indo bem.

Depois em outra loja eu apenas compro uma jaqueta e um all star novo, só que vermelho para variar a cor. Quando estamos de volta ao carro, ela dá ideia de irmos no salão e eu concordo.

– Você é modelo? – eu pergunto curiosa.

– Não mais. Mas já fui – seu tom de voz muda, consigo perceber a sensibilidade. Por isso fico quieta. – No começo da minha carreira estava tudo perfeito, mas quando chega no meio, e você percebe que não é mais a mesma pessoa de quando começou. Fiquei doente e larguei – ela deu de ombros.

– Você é uma pessoa muito forte – eu digo e ela sorri para mim.

Imagino como deve ser difícil parar de fazer uma coisa que se ama, e a força que precisa ter para dar um basta nisso.

Quando entramos no salão eu consigo sentir o cheiro dos produtos de cabelo. Uma mulher me arrasta para a poltrona e sorri graciosamente para mim.

Eu a deixo fazer minhas sobrancelhas com a navalha, porque pinça não é comigo. Ela lava e hidrata o meu cabelo, eu quase durmo quando sinto suas mãos na minha cabeça.

– Um corte? – ela pergunta e eu assinto.

– Um corte – eu digo para mim mesma, e vejo uma parte do meu cabelo nas minhas mãos.

Quando ela termina, a mudança é evidente. Meu cabelo está acima dos ombros e com volume e cachos mais soltos. Lourdes quando me vê solta um berro, me fazendo rir.

– Meu deus você tá maravilhosa – ela diz com os braços abertos e depois me abraça.

– Obrigada por tudo Lourdes – eu a agradeço novamente.

Quando chego em casa vou diretamente para o meu quarto. Coloco as sacolas no chão e vou para a frente do espelho. Estou diferente, um diferente bom, meus cabelos já estão secos e agora mais volumosos, as roupas são novas mas é como se tivessem sido feitas para mim.

Abro a janela do meu quarto e sorrio  ao ver Loris. Como sempre de braços cruzados e observando a rua movimentada.

Tudo o que o meu coração queria ter dito a você ( Lésbico ) Onde histórias criam vida. Descubra agora