Funeral

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Num hospital desta cidade havia um morto.
Para ser mais leve, ao morto esquecido, chamam-lhe cadáver por reclamar.
Mas quem quer um cadáver?
Reclamar um cadáver? Soa a algo assim: - esse cadáver é meu. - não, é meu, fico eu com ele.
E não é que o cadáver, um homem jovem que aqui chamo de Carlos, foi mesmo meu!
A vida para lá da morte.
Verdade.
Este homem, cadáver esquecido, homem já morto em vida, sem abrigo, procurado apenas por ser portador de vida.... oh ironia!
Mas ele era homem, estava vivo, era indigente, tinha morrido para a vida e transportava em si, organismos vivos que eram altamente infecciosos, letais para o seu organismo e para o de todos nós.
Tanatos não lutou com Eros.
Há muito que Eros já tinha sido abandonado por este homem.
Tanatos tomou conta dele em vida. E depois da morte, continuou a dar-lhe vida.
Nos dias em que a penumbra se estendia no meu espírito, a mancha cinza que aperta o peito, desce até ao estômago e aí se afunda no vazio onde se aloja a angústia e me deixa a sentir o interior em vácuo suprimido.
Nesse dia... o Carlos, morto, levou-me até ele. Não o quis cadáver. Aceitei apenas a força anímica e tratei-lhe do funeral.
Os nenhuns da sua família, confortaram-se pela minha presença. E eu regalei-me porque o Carlos trouxe-me o sol e deu sentido á minha força de existir. Pude ser vida na morte de alguém.
Alguém pôde ter a celebração da morte. Ao mesmo tempo que um raio de sol me perfurou o véu cinza do peito e dilatou o aperto e esvaziou o vácuo.
Foi contigo Carlos, por ti cheguei a mim.
Obrigada Carlos.

Com a maresiaOnde histórias criam vida. Descubra agora