Árvores, postes de luz e carros corriam conforme o motorista avançava pela rua, enquanto eu refletia se valia a pena ir a mais uma das festas de Ágata, apesar de nunca me sentir de fato à vontade nelas.
Sexta-feira, seis de agosto, quase nove da noite. Apesar do frio que fazia, eu não estava debaixo dos cobertores. Ao invés disso, limpava a casa. Não porque queria, claro, mas sim porque a poeira nos móveis implorava para ser tirada, assim como a louça para ser lavada. O que tornava a tarefa suportável era a música. Alex Turner cantava enquanto o palhaço corria atrás do homem de terno de um lado para o outro. Só parei com toda a arrumação quando ouvi o telefone tocar. Era mais um convite de Ágata. Anotei o endereço no post-it que estava em cima da mesa, mesmo não tendo a mínima intenção de ir.
- Não sei se tenho roupa pra ir, Tata... – Tentava inventar uma desculpa diferente da anterior. – E, além disso, olha a hora! – Pude escutá-la bufar do outro lado.
- Ah, vem de qualquer jeito! É uma festa à fantasia. – Ela riu. – E não são nem nove horas!
Depois que soltei um suspiro acompanhado de um grunhido estranho, ela resolveu trocar a estratégia.
- Malu, você é a minha amiga mais antiga... Vem por favor! – Eu quase conseguia ver sua cara de choro.
E foi assim que vim parar num táxi, às nove da noite, vestida de palhaço. Quer dizer, a fantasia de palhaço não é culpa de Ágata, mas sim do clipe de Fluorescent Adolescent.
Desci do carro quinze minutos depois, aliviada por ter avistado a festa, que acontecia logo na primeira casa da rua. Quando a surpresa por ter acertado o endereço (apesar de ter esquecido o post-it com as informações em casa) passou, parei em frente à porta e apertei a campainha.
Para minha surpresa, no entanto, não fora Ágata ou algum de seus amigos quem abrira a porta, mas sim uma mulher que aparentava ter pouco mais de trinta anos.
- Graças a Deus! Já estava quase ligando pra pedir meu dinheiro de volta! – Ela disse antes de me puxar para dentro.
Tentei explicar que devia estar havendo algum mal-entendido, mas não pareceu adiantar muito.
- Qual o seu nome? – Ela disse, séria, enquanto me guiava até a cozinha.
- Maria Luiza.
- Muito prazer, Maria Luiza, sou a Adriana, mãe da Laura e do Miguel, aqueles gêmeos ali que estão fazendo cinco anos hoje. – Apontou a cabeça na direção da foto dos dois no bolo. – Pois bem, eles passaram quatro meses pedindo um palhaço no aniversário deles, mas há vinte minutos a empresa de festas ligou dizendo que o bendito ficou gripado! Justo hoje! – Sua voz estava esganiçada e parecia prestes a chorar a qualquer instante. – E, talvez por destino ou algo do tipo, você apareceu, vestida de palhaço.
Não queria nem ver onde isso iria parar.
- Então, por favor, fica! É só mais uma hora de festa. Eu te pago quando for embora!
E foi assim que eu acabei dentro de uma piscina de bolinhas, sendo enterrada por algumas crianças, enquanto outras se atiravam em cima de mim. Todas gritando "piscina de palhaço!" sem parar.
Apesar de parecer tortura para alguns (não julgo, afinal, eu também pensava assim), não era tão ruim. Na verdade, eu estava feliz como não fazia há um bom tempo, e nunca me sentira tão à vontade numa festa antes. Apesar de no começo terem estranhado uma palhaça, ao invés de palhaço, em poucos minutos parecia que já éramos amigos há muito tempo.
Como é possível imaginar, nós pintamos, nadamos (nas bolinhas), brincamos de massinha, fizemos mímica, enchemos bexigas e fingimos que éramos estátuas (era o que eu achava que se fazia em uma festa de cinco anos!), tudo isso em uma hora – crianças enjoavam do que estavam fazendo em quinze minutos (ou menos). Meu coração se partia em pedacinhos a cada vez que alguma criança dizia "tchau, tia Malu", e, principalmente quando os gêmeos se aproximaram de mim.
- Tia, você coloca a gente pra dormir hoje? – Laura perguntou.
Os dois me abraçavam e me olhavam com aqueles olhos do Gato de Botas. Olhei para a mãe deles, que apenas sorriu e concordou com a cabeça.
- Só se vocês me mostrarem o caminho. – Respondi fazendo cócegas nos dois, que saíram correndo (e dando risada) pelo corredor.
- Não corram nas escadas! – Adriana gritou, apesar de saber que não seria obedecida.
A despedida foi difícil, o que era estranho, já que os conhecia há apenas uma hora. Todas aquelas crianças pareciam ter visto algo bom em mim, e isso me deixava feliz. Em seus abraços senti um jeito diferente de amor, um jeito novo. Eles me amavam pelo que eu era, não pelo que tinha. E eu os amava de volta, principalmente por isso.
Naquela noite voltei pra casa sozinha, pensando no que faria, agora que todas as outras festas pareciam vazias.
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Alguns contos e crônicas (ou tentativas de escrevê-los)
AcakÉ exatamente o que diz o título, não tem muito segredo... Sou só eu tentando fazer algo com essa minha mania de ver palavras em tudo. //Atualizações semanais//