sentimento de posse

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1985.

- Você devia desfocar um pouco, conhecer gente nova, sair com outras...

- Tá dizendo que é pra eu me afastar de você, Elena?

- Eu acho...

- Eu não quero me afastar de você.

Ela puxa o ar e acende um cigarro.

- Seria o aconselhável, Cláudio.

- Têm conselhos que eu dispenso. – digo enquanto ela traga o cigarro me olhando de volta e quando ela solta a fumaça – Esse é um deles. – eu digo e alcanço sua boca num beijo que a faz jogar o cigarro fora e me abraçar com força e tesão de volta.

Faz uma semana do Ano Novo, viramos o ano na cachoeira com os amigos e agora eles querem ir a uma festa de rua no centro de Belo Horizonte. Eu estou cansado, todos estão de férias, mas eu não. Meu concurso para o TRE está às portas e meu cursinho já retoma as atividades amanhã. Elena quer ir, quer dançar, quer beber... eu posso fazer o esforço por ela, mas minha vontade era ir pra casa, tomar aquele banho gelado e dormir pelado com o circulador na minha cara.

Troco de roupa e ponho o perfume que Elena gosta, claro que ela me venceu, ela tem me convencido a fazer diversas coisas que eu jamais esperaria fazer, mas tenho curtido descobrir e viver coisas novas com ela. Nossa "Amizade Colorida" vai de vento em poupa, ninguém sabe que a gente transa, embora desconfiem. E isso torna tudo ainda mais excitante. Não transei com mais ninguém desde a primeira vez com Elena, não por falta de oportunidade, mas por falta de vontade, meu tempo está muito apertado e quando sobra algum, só penso em estar com ela.

Não pergunto muito se ela ficou com alguém, afinal, combinamos que seria algo aberto... e ela é uma incógnita para mim. Espero minha mãe desligar o telefone e disco para a casa de Elena. Depois de alguns toques seu pai atende e diz que ela saiu. Desligo o telefone e me pergunto se eu deveria mesmo me importar pelo fato dela não ter me esperado. Okay, tenho quase 25 anos, posso lidar com isso, afinal, já havíamos combinado de nos encontrarmos lá. Quando que vão inventar um telefone móvel? Os fixos não ajudam muito nessas horas.

Bato a porta do carro, ponho minha fita do Guns e deixo me levar sorrindo, só quero dar um abraço em Elena, rever amigos e com alguma sorte, levar Elena em casa e dar uns amassos no carro. Chego no centro de BH e estaciono próximo ao local onde marcamos. Está bem cheio aqui, mais do que eu esperava. Ando por entre copos e risadas até que eu os vejo. Até que vejo Elena. Até que vejo... mas que porra é essa?

Tento andar, mas minhas pernas deram uma travada. Elena está aos beijos com Pedro. Beleza. Balanço a cabeça tentando me lembrar que, claro, eles saíam antes de eu começar a transar com ela, mas puta que pariu, tá, é a primeira vez que eles se reencontram... Minha cabeça deu um nó, resolvo não pensar e apenas sigo até eles. É algo inesperado, mas ao mesmo tempo eu deveria ter me preparado, já que... mas enfim, não quero pensar.

Sônia é a primeira a me ver chegar e corre ao meu encontro, ela é uma amiga muito querida nossa e ficou bem mais próxima de Elena enquanto estive fora. Já tivemos um caso também, mas nem de longe teve a mesma intensidade e tesão louco que envolvem eu e Elena, aliás, eu ainda não tinha experimentado algo assim até transar com Elena. Essa coisa de "entre amigos" é bem perigosa, mas muito envolvente.

- Oi, Cláudio! – Elena diz quando eu finalmente a abraço, sinto um impulso e digo "te amo tanto" ao pé do ouvido dela e ela me abraça mais forte mostrando que ouviu.

Todos estão muito animados e bêbados. Elena não fica pra trás, a última vez que a vi beber desse jeito foi no dia em que ficamos pela primeira vez. Tento me controlar. Tento me aproximar. Ela está estranha, não me dá espaço. Penso em dar uma desculpa qualquer e ir embora.

- Vamos no banheiro comigo? – ela fala e me empurra e estamos passando pelo povo e então ela me vira e me dá um beijo. Pela primeira vez não sei o que essa mulher quer e apenas retribuo.

Ela faz algumas brincadeiras, ela está bêbada e engraçada, mas eu fico preocupado. Decido que não vou beber, preciso tomar conta dessa doida e levá-la pra casa em segurança. Voltamos para o grupo, ela age como se nada tivesse acontecido, está me tratando como qualquer amigo da roda, isso é bom, eu devo fazer o mesmo, não é bom eu me importar, não é? Decido que não vou. Trato todos bem, até mesmo o Pedro, afinal, por que não trataria? E por que cogitei tratar? Precisava beber mesmo, mas não vou.

Elena está falante e dançante e risonha, e meio... inalcançável... Sinto uma coisa estranha toda vez que ela e Pedro se aproximam demais, preciso pensar em outras coisas, converso com Sônia, com os demais, saio para comprar algo para comer, me preocupo com Elena, vou até ela, faço ela comer, ela ri, faz graça, estou perdendo a paciência, mas ela consegue ser sensual até quando é sem noção, eu sorrio.

Olho a hora, preciso ir, não posso deixar Elena ali, ou só penso isso porque a quero nua gemendo pra mim? Droga. Tento me divertir, mas de repente, Pedro a pega nos braços e a beija, pior, ela não resiste. Mas por que ela diria não? Afinal... afinal porra nenhuma! Sou consumido por uma raiva que eu desconhecia até o momento... Chego até ela depois de um tempo, penso em dizer para sairmos dali, eu puxo o short dela com tanta força que o mesmo quase rasga na minha mão, ela dá um gritinho e me olha, finalmente ela entende meu olhar e como num passe de mágica, não existe mais nada em volta, só eu e ela, meu olhar mantém o dela em mim, eu sinto um poder estranho sobre ela naquele instante, é como se ela esperasse um comando, esperasse algo, mas eu me sinto tão perdido naqueles olhos, naquela boca... e no minuto seguinte estamos nos beijando. Loucamente. Na frente de todos. Foda-se tudo. Claro que ali todos sacaram que a gente tinha algo, era inegável. Eu a tomei pra mim e nos beijamos como se pertencêssemos um ao outro.

Mas assim que nos soltamos, eu me dei conta que estava perdido, meio sem saber se era ali mesmo que eu queria estar. Foi sair do meu olhar e ela já poderia ser de qualquer outro, então eu apenas me despedi de todos e fui, atordoado, direto pra casa. 

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