entre amigos

o bilhete

1985.

- Eu entreguei o bilhete a você, fiz minha parte. Você só precisava fazer a sua!

- Me diz onde encontro Elena, Sônia, pelo amor de Deus!

- Agora é tarde. – Pedro diz e eu tenho vontade de socar a cara dele.

- Real. O ônibus já partiu.

Eu paro olhando para aqueles três e me pergunto onde foi que eles deixaram de ser meus amigos.

- Mas que porra de amigos são vocês, afinal? – vocifero.

- Somos a porra dos amigos que tiraram você daquela furada!

Então um flash vem à minha mente e lembro do bloco de carnaval em Ouro Preto, parece que foi ano passado, mas só foi há algumas horas. Sérgio conta sobre o que ouviu no rádio, briga de sambistas que acaba em tiroteio, várias pessoas feridas e uma mulher morta... A mulher que estava me acariciando... fico tonto. Preciso me sentar.

Com o rosto escondido em minhas mãos, consigo me desligar do falatório a minha volta e meu pensamento se volta para Elena. Eu deveria ter tido coragem, deveria ao menos ter tentado... Lembro de ter dito à mulata no bloco que eu já tinha alguém... e eu poderia mesmo ter tido... Elena quis ser só minha e eu tive medo de não conseguir ser o que ela queria ou precisava. Achei que não era a hora ainda e sofri vendo-a nos braços de outros... Sinto minhas veias das mãos saltarem ao pensar nisso. Ela aceitou minha decisão e levou à sério a missão de me esquecer...

de 25 anos, disse coisas tão bonitas sobre mim que fiquei com inveja do cara que ela descrevia e dizia ser eu... Eu queria ser aquele cara que ela enxergava em mim... O bilhete indicava que ela queria que eu fosse encontrá-la na rodoviária, ela me disse que tinha um lugar para ficar no Rio de Janeiro, me pediu que eu fosse com ela, mas como?

E agora, depois de toda essa confissão no bloco, eu ao menos consegui me despedir. Ao menos consegui dizer o quanto eu me arrependia de não ter dado uma chance para... nós.