1.2. Por que dizem tanto que preciso ler?

18 1 0
                                    

Você já deve ter ouvido diversas vezes que é preciso ler, para poder escrever bem. Mas, por que será que é assim? O quanto é preciso ler, para isso? Serve qualquer leitura?

Ora devo dizer desde já que não há respostas absolutas para algumas dessas perguntas. Se houver para alguma delas! Mas, hoje em dia, há muito que é conhecido sobre como nossas mentes funcionam, e há algo nisso que posso compartilhar com vocês.

Vamos por partes:

1. Serve qualquer leitura?

Bem, para começar, há diversos tipos e gêneros de textos.

Não é nosso objetivo neste capítulo detalhar cada um deles (talvez o façamos mais adiante, se vocês assim quiserem), mas, posso adiantar que os tipos são: narração, descrição, dissertação, exposição e injunção. Tenho certeza de que você não vai aprender a escrever romances (predominantemente narrativo) lendo receitas médicas (injunção prescritiva), ou terá sérias dificuldades de aprender a escrever uma notícia jornalística (expositivo) ou uma redação de concurso (dissertativa argumentativa) somente lendo contos ou romances. E não aprenderá a fazer nenhum desses se somente ler postagens de redes sociais, posso lhe assegurar.

Os gêneros textuais são ainda mais numerosos: conto, fábula, biografia, romance, novela etc. (narrativos); notícia, resenha, monografia etc. (expositivos); diários, relatos de viagem etc. (descritivos); receita, bula, lista de compras etc. (injuntivos); editorial, crônica etc. (argumentativos); regulamento, ofício (prescritivos).

Não confundir gêneros textuais com os gêneros literários. Os gêneros literários são o épico, o narrativo, o dramático, o lírico etc. Já é uma outra abordagem que também merece estudo, mas, não é o nosso objetivo aqui.

O que quero que você entenda é que você precisa, portanto, ler e conhecer a fundo o tipo de texto que pretende escrever. Leia não apenas um ou dois, mas, diversos textos do tipo textual que intenciona escrever. Familiarizar-se bem com esses textos e sua estrutura poderá fazer com que se torne natural para você produzir os seus próprios textos.

Ah! Em princípio, nada impede que, ao escrever, você enriqueça um tipo com elementos do outro, principalmente se você está fazendo literatura. Claro que, se você está fazendo uma prova de concurso (aqui incluso o vestibular ou mesmo concursos literários), você deve demonstrar conhecer com profundidade o tipo e o gênero que lhe for requerido, conforme as regras que forem apresentadas, certo? Nessas ocasiões, é frequente que se espere de você que tenha fronteiras claras entre as formas de escrever, justamente para saber se você tem domínio sobre isso. Ficou claro? Não me venha usar depois como argumento para justificar uma avaliação aquém do que você entende ser merecida, por favor.

2. Quanto eu preciso ler, para escrever?

Leia tanto quanto puder. Não há limite para leitura, nem o que perder com mais leitura. Vá por mim!

Ao se familiarizar não apenas com o tipo e o gênero que pretende escrever, mas com o máximo deles possível, você irá construir um arcabouço de recursos narrativos, descritivos, expositivos etc., e terá por isso uma habilidade muito maior para se expressar. O bom escritor é um leitor ávido!

Também construirá um bom repertório léxico, um vocabulário variado. Ter mais palavras à disposição ajudará a dizer com mais facilidade o que pretende. Isso não significa necessariamente aprender a falar difícil, embora isso possa se tornar uma alternativa caso você queira. Mas, o que interessa é que você poderá pensar melhor e mais claramente, e expressar melhor mais ideias, mesmo se optar por ser minimalista.

E os benefícios de ler mais não se restringem a isso. Ler bons textos que sejam de seu gosto traz um prazer inestimável, e, pessoalmente, não consigo conceber que alguém queira escrever e não goste de ler. Arrisco dizer que a mediocridade de muitos textos se dá à pouca leitura, entre outras razões.

3. Gosto de ler autores consagrados como Shakespeare, Tolkien ou Rowling, mas vivem me dizendo para ler autores nacionais. Esses gênios não bastam?

Ler é bom. Ler grandes nomes da literatura internacional é um bom começo, sem dúvidas! Mas, é só um começo.

Ocorre que, no ato da tradução, muito se perde, principalmente se for uma obra literária. E não é culpa do(a) tradutor(a). Línguas podem ter expressões ou palavras tradutíveis até certa medida, mas, dali em diante, é tudo muito interpretativo. Quem traduz tem que fazer escolhas duras! Preservar o sentido ou a forma? Como traduzir para nossa língua preservando, por exemplo, um ritmo que o autor imprimiu no texto propositadamente. Quando a forma faz parte da obra, ela é quase sempre intransponível sem perda de conteúdo, e este sem perda da forma. Também há frases que, na tradução, não fariam sentido algum (como, p.ex., "dar nó em pingo d'água"), e precisam ser completamente reescritas ou substituídas, sendo frequentemente impossível não perder algum sentido. E, às vezes por necessidade editorial, até, é preciso simplificar algo no vocabulário, para que o público alcance.

Bem, de qualquer forma, em resumo, você tem acesso a uma belíssima obra, um bom momento de fantasia, mas, será uma obra incompleta. E, para não botar palavras na boca do autor, é quase certo que o trabalho da tradução não explorará nossa língua e seus recursos em tantas maneiras quanto o fará um autor nacional. E isso nos leva à questão do próximo capítulo, que é sobre dominar bem o idioma que será usado na sua escrita, quase sempre o seu idioma nativo. E o caminho mais eficaz para esse domínio é ler textos escritos nativamente neste idioma.

Por fim, podem me perguntar, sobre o que acabei de dizer:

4. Eu leio Camões, Fernando Pessoa, Saramago e Eça de Queiroz. Nenhum é brasileiro. Não servem?

Ou:

5. Leio os autores consagrados em suas línguas originais. Isso não resolve o problema da tradução?

E eu juntei as duas perguntas porque há um aspecto comum na resposta: a língua que você quer dominar.

Se você vai escrever na mesma língua dos livros que lê, não se prenda à nacionalidade do autor. Por nacionais, é a essa familiarização com a língua que nos referimos ao dar esse conselho, e não ao país onde nasceram. Leia angolanos, cabo verdenses etc., e isso enriquecerá sua própria literatura. É a língua nacional! Mas, nunca perca de vista que há variações linguísticas importantes no espaço, e, se você escreve para o público brasileiro, há algo na fala do português que não será devidamente captado pelo brasileiro.

E, antes que me pergunte, no tempo que passa também há variações linguísticas. Mas, há no o público de hoje quem conhece bem a linguagem dele, enquanto não parece razoável se preocupar em adequar a linguagem do seu livro hoje ao público daquela época.

Agora, se você lê Alaa Al Aswany em árabe e pretende escrever seu livro em inglês; ou se lê Arthur C. Doyle em inglês e vai escrever em português, isso não beneficia sua literatura? Claro que beneficia. Conhecer novos idiomas nos ajuda a construir raciocínios com estruturas diferentes, e isso invariavelmente irá refletir em sua obra. Só não espere que isso vá substituir o ganho de ler na língua em que irá escrever, por tudo o que já foi exposto.

E aí? Curtindo? Tirei sua dúvida sobre esse ponto?

Se fui útil ou se deixei a desejar, deixe o recado.Espero poder melhorar, para te ajudar!Mande suas dúvidas, e não esqueça de dar aquele voto maroto! ;-)

COMO ESCREVO e como isso pode te ajudarOnde histórias criam vida. Descubra agora